Tuesday, December 20, 2011

A natureza e o princípio de não-agressão

A natureza, como se sabe, é um grande self-service onde os animais se comem numa deglutição coletiva planetária, com a morte - a maior equalizadora da vida - servindo como o destino comum de cada um, mesmo que você não tenha sido comido por um outro animal ou morrido de indigestão ao comer um outro animal. Complicado fazer parte de uma cadeia alimentar, mas substituir esse fato por uma visão romântica da natureza não vai tornar as coisas mais fáceis, é justamente essa capacidade de ter consciência que nos diferencia. Um leão faminto não fica com dilemas éticos ao avistar uma gazela, é ela ou ele. Essa batalha de vida ou morte não se dá apenas entre espécies diferentes, quando um leão conquista o harém de um outro leão, ele trata de matar todos os filhotes atuais pra que as leoas fiquem logo no cio pra que ele perpetue a sua linhagem genética. A evolução não é brincadeira, então o ser humano vem tentando encontrar, ao longo do tempo, uma maneira de conviver que não envolva o assassinato puro e simples do outro quando ele é inconveniente. "Não matarás" é um mandamento excelente, mas não é o suficiente. A regra de ouro do "não faça com os outros o que não gostaria que fizessem com você" também cai bem, mas não serve pros masoquistas, ou não existem pessoas que tiram prazer da dor? Então pra que o ser humano tire partido da sua razão e não viva numa permanente guerra de todos contra todos, ele(a) precisa se relacionar com o outro de maneira voluntária, sem violência, sem coerção, essa é a ética ideal pra civilização. Agora, pra que o homem possa se dar ao luxo de ter um código de conduta, é preciso que ele também se alimente, ele não deixou de ter necessidades fisiológicas ou ficou de fora do processo evolucionário por ter desenvolvido um sistema moral. Então, com o relativo aumento da prosperidade, as pessoas começaram a discutir o modo como elas se relacionam também com os animais que lhes servem de alimento, riqueza e companhia -  uma discussão que provavelmente nem existia no tempo das cavernas. Ótimo, evoluímos bastante desde então e temos muito o que evoluir ainda, mas soa meio injusto dizer que o ser humano - na média - não é (eticamente?) superior aos outros animais. Me parece claro que é (me acusar de "especismo" não resolve a questão), e se restar alguma dúvida, faça o seguinte experimento mental: deixe um bebê humano no meio do Serengeti, deixe um filhote de leão no meio do Largo da Carioca e imagine como eles estarão depois de um tempo. 

Thursday, December 15, 2011

50 mil homicídios por ano no Brasil

O Olavo de Carvalho ["buuuuuhhhh! direitista! buuuuuuhhhh!"] vem falando disso há anos, como é que as coisas podem estar melhorando com esse nível de violência? Matou-se mais no Brasil nos últimos 30 anos que em 53 anos do conflito Israel-Palestina, média de 137 homicídios por dia, 4 por hora. Assumindo que todos gostariam que menos pessoas fossem assassinadas [ou alguém quer mais sangue correndo?], resta descobrir como reverter esse quadro. O governo, a Globo e as ONGs governamentais apontam o culpado de sempre: as armas, que aparentemente são dotadas de vontade própria e saem disparando por aí como se não houvesse amanhã ["não seja simplista, seu reacionário!"]. Outro dia, o Fantástico deu a receita: além de não ter armas, o cidadão não deve reagir, em hipótese alguma, caso um ladrão siga o exemplo do governo e venha "distribuir" a sua renda com uma arma [cuidado, o governo odeia concorrência]. Pra deixar os "revolucionários" agora no poder ainda mais desmoralizados, o mapa da violência indica que o número de homicídios pra cada 100 mil habitantes atualmente é de 26,2, enquanto que em 1980 - no auge da ditadura militar - o número foi de 11,7. ["e o que você propõe, sabichão?"]. Legalização das drogas [aqui os conservadores como o Olavo me acusam de fazer o jogo da esquerda, mas boa parte desses assassinatos é reflexo da proibição - ou não é?]. Endurecimento das penas pros crimes com vítimas [na hipótese da polícia solucionar o crime, não dá prum camarada que matou alguém ficar uns poucos anos preso, impunidade gera mais criminalidade]. Liberalização do porte de arma [o governo quer aprofundar o seu monopólio da força, mas uma sociedade civil armada, ao contrário do que muitos imaginam, é uma sociedade mais segura - pessoas com má intenção não se dão ao trabalho de pagar taxas ou fazer psicotécnicos pra adquirir uma arma]. O problema não é a arma, o problema é o sistema de incentivos que vitimiza o culpado e culpabiliza a vítima, é a sensação generalizada de que o crime compensa, desde a máfia oficial em Brasília até os cafundós das Alagoas.

Wednesday, December 14, 2011

"Os brasileiros gostam de pagar mais caro"

Rolam diversos estudos e pesquisas apontando que o Brasil é um dos países mais caros do mundo, que o Rio é a segunda metrópole mais cara das Américas, que os carros aqui custam o dobro que no México, que os imóveis triplicaram de preço nos últimos 3 anos e por aí vai. As pessoas começam a reclamar com razão e se inicia então a busca pelos responsáveis por essa situação. Por que os carros, por exemplo, estão tão caros? Bom, siga o governo e as regras que regulam o setor e você encontrará a resposta. O que diminui os preços e aumenta a qualidade? A competição interna e externa, coisa que o governo inviabilizou com o aumento de tarifa nos carros importados. Sem competição externa - "pra proteger a indústria nacional" - as montadoras sobem os preços. Como as pessoas ainda assim continuam comprando carros, alguns chegam à conclusão de que "os brasileiros gostam de pagar mais caro" e isso seria verdade se o brasileiro fosse especialmente estúpido ou masoquista, porque ninguém "gosta" de pagar mais caro se puder escolher o mesmo produto por um menor preço. Quem tenta livrar a cara do governo nesse esquema se esquece de que é esse mesmo povo quem elege os governantes, mas beleza. Acontece que, ao mesmo tempo em que o custo Brasil e o protecionismo estatal fazem subir os preços, o governo dá um jeito de baratear o crédito alavancando os seus bancos pra "estimular" o consumo. Então o camarada que quer um carro vê de um lado o preço alto e de outro as condições de financiamento a perder de vista criadas pelo crédito governamental. Ele chia, reclama, mas faz os seus cálculos e vê que, se essas condições permanecerem inalteradas, a compra ainda vale a pena. As montadoras e os sindicatos ficam satisfeitos porque não têm mais a competição externa e têm a sua reserva de mercado garantida. O governo fica satisfeito porque agradou a sua base política e garantiu as doações pra próxima campanha, uma mão lava a outra. Os problemas desse esquema? 1 - os produtos oferecidos aos consumidores se tornam mais caros e de menor qualidade. 2 - o tal "crédito fácil" oferecido pelo governo é feito às custas dos outros, seja na forma de tributação, inflação ou emissão de dívida. 3 - por não ser lastreado em poupança genuína, esse estímulo artificial (boom) vai eventualmente estourar (bust), deixando pra trás um rastro de inadimplência entre os brasileiros que "gostam" de pagar mais caro.

Tuesday, December 13, 2011

Platão < Aristóteles

"Segundo a alegoria da caverna de Platão, o processo para a obtenção da consciência abrange dois domínios: o das coisas sensíveis e o das idéias. Para o filósofo, a realidade está no mundo das idéias - um mundo real e verdadeiro - e a maioria da humanidade vive na condição da ignorância, no mundo das coisas sensíveis - este mundo -, no grau da apreensão de imagens, as quais são mutáveis, não são perfeitas como as coisas no mundo das idéias e, por isso, não são objetos suficientemente bons para gerar conhecimento perfeito." Não quero sair desqualificando o homem (imagine como era o conhecimento há mais de 2 mil anos), mas esse misticismo na linha "o mundo apreendido pelos sentidos não é 'perfeito', então vamos criar um na nossa imaginação" soa como uma fuga da realidade e esse não devia ser o papel da filosofia. "Quanto ao mundo material, o homem poderia ter somente a doxa (opinião) e téchne (técnica), que permitia a sua sobrevivência, ao passo que, no mundo das ideias, o homem pode ter a épisthéme, o conhecimento verdadeiro, o conhecimento filosófico." Se o conhecimento verdadeiro não servir justamente pra sobrevivência neste mundo material, vai servir pra quê? Pra sobrevivência no mundo que não existe? Agora veja que coisa louca: "Dionísio vendeu Platão no mercado de escravos por vinte minas; alguns filósofos, porém, juntaram o dinheiro, compraram Platão e o mandaram de volta para a Grécia, aconselhando-o que os sábios devem se associar o menos possível aos tiranos." Um bom conselho, evitar se associar com quem pode te escravizar, uma mensagem atemporal. O problema é quando não há escolha e o escravizador consegue convencer o escravizado de que não há controle na relação, apenas um contrato invisível assinado por você antes mesmo de nascer. "Os males não cessarão para os humanos antes que a raça dos puros e autênticos filósofos chegue ao poder, ou antes, que os chefes das cidades, por uma divina graça, ponham-se a filosofar verdadeiramente." 3 coisas: racismo ("raça dos puros"), misticismo ("divina graça") e autoritarismo ("chegue ao poder"), a não ser que esses governantes ponham-se a filosofar verdadeiramente e cheguem à conclusão de que é errado controlar os outros. "Platão acreditava que existiam três espécies de virtudes baseadas na alma, que corresponderiam aos estamentos da pólis: A primeira virtude era a da sabedoria, deveria ser a cabeça do Estado, ou seja, o governante, pois possui caráter de ouro e utiliza a razão." Sei, se "razão" significar a conquista, manutenção e expansão do poder sobre os outros. "A segunda espécie de virtude é a coragem, deveria ser o peito do Estado, isto é, os soldados ou guardiões da pólis, pois sua alma de prata é imbuída de vontade." Ou seja, o braço armado da "vontade" que garante a conquista, manutenção e expansão do poder sobre os outros. "E, por fim, a terceira virtude, a temperança, que deveria ser o baixo-ventre do Estado, ou os trabalhadores, pois sua alma de bronze orienta-se pelo desejo das coisas sensíveis." A plebe ignara - "de bronze" - que não tem razão nem coragem, mas que trabalha pra bancar a pureza dos governantes iluminados. "Platão acreditava que a alma depois da morte reencarnava em outro corpo, mas a alma que se ocupava com a filosofia e com o Bem, esta era privilegiada com a morte do corpo. A ela era concedida o privilégio de passar o resto dos seus tempos em companhia dos deuses." Reencarnação, deuses, alma, governantes com "caráter de ouro" iluminados pela razão e esse desdém pela realidade apreensível pelos sentidos: tá difícil, hein, Platão?

Monday, December 12, 2011

A liberdade sexual

Não acredito em Deus, não acho que seja possível derivar uma moral a partir de escrituras "sagradas" e sei que a disputa pela hegemonia da fé entre as religiões (ou mesmo entre facções da mesma religião) alimenta guerras desde sempre, mas não é por isso que vou descartar de antemão tudo o que os crentes falam. Lembre-se, matar é errado segundo os 10 Mandamentos e essa é uma regra boa se você considerar a preservação da própria vida uma coisa boa. Veja, por exemplo, a "revolução sexual" dos anos 60. Depois de séculos de castração religiosa, as mulheres que viviam na defensiva em relação ao sexo - "só depois do casamento" - de repente se sentiram livres pra explorar as suas fantasias, com a disseminação da pílula anticoncepcional colocando ainda mais lenha na fogueira. Beleza, qual foi o resultado disso? Se a gente considerar que a liberdade sexual deve ser acompanhada da responsabilidade sexual, alguns problemas:

Thursday, December 08, 2011

Caco, Aristóteles e Miss Piggy

Toda hora ouço falar que Aristóteles isso e Aristóteles aquilo (depende do ambiente). Mó vergonha não ter lido um livro inteiro do cara que inventou a lógica (a lógica não se "inventa", se descobre). E tenho as melhores referências dele, tipo a influência que ele exerceu sobre diversos pensadores que defendem as liberdades individuais e a lei da identidade (A = A). Porque ter objetividade e admitir que A é A parece às vezes uma peça de resistência em certos ambientes intelectuais, onde A pode ser A e o seu contrário ao mesmo tempo (Z?) dependendo da conveniência do momento (sacadas estilo "menos é mais" e "imposto é voluntário"). Nem quero tirar o prazer das pessoas em serem poéticas subvertendo o sentido das palavras, mas não é possível ter uma discussão racional a respeito de coisas importantes com essa postura (ih, fechou o tempo). O Aristóteles da wikipédia esclarece: "Caco é verde" é uma consequência lógica de "todos os sapos são verdes" e "Caco é um sapo", porque seria auto-contraditório afirmar estas últimas sentenças e negar a primeira. A consequência lógica é a relação entre as premissas e a conclusão de um argumento válido" (ou seja, lógico). "Na filosofia aristotélica, a política é um desdobramento natural da ética." Se a gente entende a ética como o modo como as pessoas lidam umas com as outras, beleza, o Caco está sendo político no melhor sentido da palavra ao flertar de maneira persuasiva com a porquinha dos Muppets (pura sedução). "Aristóteles foi o verdadeiro fundador da zoologia e a ele se deve a primeira divisão do reino animal." Caco é livre de preconceitos e acredita na diversidade animal, como explicar a atração de um sapo por uma porca? (Aristóteles deve ter algum insight a respeito) "Ele acreditava que a mulher era um ser incompleto, um meio homem. Seria passiva, ao passo que o homem seria ativo." Como Miss Piggy não é uma mulher e sim uma porca, não se ofendeu, pelo contrário, sentiu admiração pelo polêmico machismo peripatético (porcas são imprevisíveis). Como o Caco tá topando qualquer parada, embarcou na onda e deu-se início então ao estagirismo à trois (foto meramente ilustrativa).

Thursday, September 22, 2011

As guerras dos EUA

Rolou outro dia uma entrevista do Penn Jillette em que ele dizia que o ateísmo acontece normalmente de maneira gradual, através de muita leitura e introspecção. Não foi o meu caso, nunca dei muito crédito à conversa religiosa, como assim uma virgem ficou grávida do filho de Deus? Céu, inferno, esse papo todo me soava um grande caô místico e nem cogitei a existência de um ser onipotente-onisciente que criou tudo e ainda fiscaliza as nossas ações e pensamentos. Minha posição ao longo do tempo não mudou muito em relação aos homens invisíveis das religiões, mas mudou bastante em outros aspectos. Eu era um social-democrata que votava no PT, como a maioria das pessoas da minha convivência. Não tinha dúvida de que o governo devia fazer isso, aquilo e aquilo outro e que o socialismo era uma idéia boa que precisava apenas ser implementada pelas pessoas certas através da sanção da maioria. Depois, aí sim, de muitos anos de leitura e introspecção, é que fui chegar à conclusão de que o socialismo não é uma boa idéia e que a intervenção governamental não é a solução, é o problema. Me familiarizei então com teorias que confirmavam de maneira lógica e consistente a minha intuição de que cada um deve ter a liberdade de fazer o que quiser, desde que respeite o espaço do outro. A defesa do princípio de não-agressão e do indivíduo como um fim em si mesmo deu tratos à bola teórica, isso sim faz sentido se o ideal é a liberdade individual. Agora, se eu não tenho o direito de te impor nada, por que isso seria permitido na relação entre países? "The endless Wars to bring freedom, justice, democracy, peace, prosperity, blah, blah, blah to the Middle East must continue according to the neocons." Pois é, por mais que esses objetivos soem nobres à primeira vista, tentar impô-los à força parece ter o efeito inverso ao pretendido. A tal Primavera Árabe vai acabar colocando no poder gente ainda mais fanática pelo Islã e hostil aos EUA. "According to the 2008 official Pentagon inventory of our military bases around the world, our empire consists of 865 facilities in more than 40 countries and overseas U.S. territories. We deploy over 190,000 troops in 46 countries and territories." Se um país ocupa militarmente outro, é natural a reação dos que estão sendo ocupados. Ou não é? "President Obama told us on October 27, 2007, that the day he gets into power, he will bring the troops home. Then he added, 'You can take this promise to the bank.'" Isso mostra que toda aquela mobilização contra o W. Bush era disputa de poder, cadê a esquerda americana protestando agora contra as guerras e as ocupações? Se a galera do outro partido tá no poder, a guerra é um absurdo, se a minha galera tá lá, a violência é justificável? "Pentagon documents record 109,032 deaths broken down into "Civilian" (66,081 deaths), "Host Nation" (15,196 deaths),"Enemy" (23,984 deaths), and "Friendly" (3,771 deaths)." Na sua opinião, esses números mostram que a aventura americana no Oriente Médio ajuda ou prejudica o processo de paz? "After the first Gulf War we stationed 5000 troops in Saudi Arabia to keep order, to protect the Royal Family. 15 of the 19 9/11 terrorists were Saudis." Faz sentido, não? Não seria melhor deixar os muçulmanos em paz e atuar somente em casos de legítima defesa? "5000 foreign troops in the muslim holy land was an insult to many Saudis and other muslims." Pela carta que o Bin Laden escreveu após o 11 de setembro, fica claro que se trata de uma guerra santa e que a presença ali de maneira ostensiva dos EUA só faz piorar as coisas e dar uma justificativa pra essa jihad maluca. "We're $14 trillion dollars in debt. We're spending $6.7 BILLION dollars a MONTH on our "wars" in the Middle East -- the majority of that in Afghanistan." Mais um motivo pra desocupar esses países, os EUA tão atolados em dívidas e o dólar só resiste porque a concorrência (euro) tá ainda pior. (http://blog.nj.com/njv_paul_mulshine/2011/09/reaction_to_ron_paul_shows_som.html)

Tuesday, September 13, 2011

A corrupção

"A corrupção pode ser definida como a utilização do poder ou autoridade para conseguir obter vantagens, e fazer uso do dinheiro público para o seu próprio interesse, de um integrante da família ou amigo." Então uma parte da população se mobilizou de preto contra a corrupção, numa manifestação diferente das que o Brasil se acostumou a ver com as tradicionais bandeirinhas vermelhas da CUT, UNE, MST, PT e demais movimentos socialistas anunciando a sua verdadeira intenção. A moralização do uso do dinheiro público? Não, o objetivo sempre foi a conquista, a manutenção e a expansão do poder. Eles chegaram lá, se entregaram ao que antes criticavam e, como não estão acostumados a ser questionados, ficam tentando controlar ainda mais a imprensa, mas o meu ponto aqui é outro. Sem que se faça a ligação causal entre o controle do governo sobre a sociedade e a corrupção, nada feito, um mar de lama vai ser substituído por um outro mar de lama - num lodaçal sem fim - sem que se ataque a raiz do problema. Quando dois entes privados entram num acordo usando as suas respectivas propriedades, não há corrupção, há uma troca voluntária. A corrupção é um fenômeno estatal que envolve não só o desvio do dinheiro público, mas o poder de se usar a lei pra se conceder privilégios em troca de alguma vantagem. Isso acontece porque o governo tem o poder - exercido à força - de tirar de A pra dar pra B, de dizer como as pessoas podem se associar e o que elas podem comprar ou vender, além de ter o monopólio em diversos setores. Com esse poder todo, o governo se transforma num grande balcão de negócios, alguma surpresa? A corrupção começa na própria democracia: "Vote em mim que eu vou conseguir isso pra você." Se o político puder concentrar os benefícios em quem votou nele e espalhar os custos pela sociedade, melhor ainda (pra ele e pra quem recebeu o benefício, o resto paga a conta). Essa corrupção institucionalizada nas próprias eleições se espalha então pelas relações dentro do governo, no toma-lá-dá-cá com o dinheiro dos outros. É comum na política se trocar votos no plenário por cargos na máquina estatal e ver empresários retribuindo favores a governantes, é o modus operandi da coisa pública. Só que chega uma hora em que a malversação de recursos fica evidente demais e as pessoas saem do seu estado natural de conformismo ou cinismo e exigem que se tomem providências: "corrupção como crime hediondo!" Esse tipo de proposta não tem muita chance de ser aprovada pelos políticos (adivinhe o motivo), e se fosse, seria apenas mais uma entre as milhares de outras leis feitas pra não serem cumpridas. Um ou outro bode expiatório poderia até ser sacrificado de vez em quando, mas o esquema permaneceria. Ou você acha que sobraria muita coisa dentro ou fora da administração pública caso toda pequena ilegalidade ou corrupção do cotidiano diário do dia-a-dia fosse realmente punida com a prisão? Se honestidade significasse o cumprimento de todas as regrinhas da legislação brasileira, não sobraria uma pessoa honesta neste país. E é esse mesmo o objetivo, deixar todo mundo devendo alguma coisa pra se exercer o poder através do medo. Faz sentido, considerando que o estado funciona como uma espécie de Deus laico contemporâneo. Quer diminuir a corrupção? Diminua o controle que o governo exerce sobre você.

Monday, August 22, 2011

Os ricos

Warren Buffett, o bilionário favorito do New York Times, fez um apelo pra que os ricos pagassem mais impostos e "dessem a sua parcela de sacrifício aos EUA." Se ele considera dar dinheiro ao governo uma coisa boa, podia começar dando o exemplo, mas não, quer que os outros sejam obrigados a isso. Impostos não são voluntários, se fossem, teriam outro nome. Quando os políticos e os seus amigos começam a falar em sacrifícios (dos outros), é porque o esquema tá em perigo e se inicia a busca por bodes expiatórios. Claro, há ricos e ricos. Uns enriquecem através do meio econômico, vendendo o que as pessoas querem comprar. Se eu gasto 50 reais num produto do Radiohead, é porque eu valorizo mais esse produto que os 50 reais e vice versa, ambas as partes saem ganhando. Outros enriquecem através do meio político, que tira à força de uns pra dar pra outros. Se o BNDES tira X dos pagadores de impostos pra subsidiar os projetos do Eike Batista, o Eike ganhou e quem pagou, sem querer pagar, perdeu. O meio econômico é voluntário e aumenta a riqueza, o meio político é coercitivo e divide a riqueza. Ninguém me obriga a comprar o vinil do Radiohead, o governo me obriga a subsidiar os negócios do Eike Batista. Feita essa distinção, não é difícil entender o motivo da popularidade desse tipo de apelo contra os ricos. Ao dizer que os ricos são ricos porque "exploram" os pobres, a ideologia marxista dá um verniz teórico a um dos sentimentos menos nobres do ser humano, a inveja. Agora, como é que o Radiohead - uma banda rica, sem dúvida - me "explorou"? Pelo contrário, os seus fãs se reúnem tentando fazer com que a banda os "explore" ainda mais e sentem que não foram "explorados" o suficiente, @queremos mais "exploração", seus ingleses desgraçados apropriadores de mais-valia. Além disso, a riqueza é relativa. Um torneiro mecânico no Brasil é rico em relação a um torneiro mecânico no Zimbábue. Uma pessoa considerada pobre hoje nos EUA vive mais, melhor e desfruta de um conforto material que um industrial inglês do século 19 nem poderia sonhar. A riqueza não é um bolo fixo que deve ser repartido pelo governo (que acaba ficando com o maior pedaço), a riqueza é criada e cresce através da acumulação de capital - que os marxistas odeiam - e o seu investimento no aumento da produtividade, fazendo-se mais coisas com menos custos. Se um país começa a penalizar os seus ricos por serem ricos, esses ricos vão pegar a sua poupança e investi-la em outra vizinhança, secando então a fonte que financia a demagogia dos políticos e o proselitismo dos intelectuais anticapitalistas.

Thursday, August 18, 2011

O trabalho "escravo"

"Empregada por uma brasileira, que a concedeu dias de licença maternidade, Julia trabalha 10 horas por dia, e mesmo assim diz que sua vida aqui é melhor do que na Bolívia." Um sinal da decadência intelectual de um país é o modo como os conceitos são deturpados nos debates públicos pra servirem - não à busca honesta da verdade - mas aos objetivos políticos dos seus proponentes. Quem é um escravo? Um escravo é quem não tem o controle sobre o próprio corpo e pertence a uma outra pessoa, é alguém que não tem a propriedade de si mesmo. Um escravo, por definição, não pode pedir demissão, pegar o seu boné (ou o seu poncho) e ir à luta em outra freguesia. Só que a confusão chegou num ponto em que equivaler um assalariado a um escravo e um empregador a um senhor de escravos virou a norma nas discussões e quem questiona isso só pode ser um FDP da TFP. Não que o meu objetivo seja antagonizar, isso não é a causa do que escrevo, é a consequência, se acontecer. Se eu quero tentar me aproximar  o máximo possível da verdade, o mínimo que eu posso fazer é respeitar o significado das palavras e não me engajar em manipulações emocionais pra parecer bonzinho segundo a mentalidade mais influente do momento e assim ganhar pontos na gincana social. Claro que eu prefiro que as pessoas gostem de mim, mas se o que escrevo vai contra o que elas acreditam, paciência. Se alguém concorda em trabalhar nas condições X, é porque as alternativas não eram melhores segundo a sua própria avaliação, não há escravidão. Não obedecer todas as regras impostas pela CLT também não faz do empregador um senhor de escravos, não importa quantas vezes os jornais, as TVs e os demais puxa-sacos do governo repitam isso. Se vê por aí muita indignação contra a ganância dos empresários, seus lucros exorbitantes e as corporações exploradoras - "o governo tem que contratar mais fiscais e endurecer as leis contra esses malditos sem coração." Mas por que será que quase metade da mão-de-obra no Brasil - fora os desempregados - vive na informalidade? Seria por uma falha de caráter do brasileiro, uma tendência irresistível em não seguir as leis simplesmente pelo prazer de burlá-las? Ou isso teria mais a ver com a falta de contato dessas leis com a realidade? Se as pessoas não conseguem cumprir as normas da CLT - uma legislação inspirada na Carta del Lavoro de Mussolini - de quem é a culpa, das pessoas ou da lei? Esses empregos dos bolivianos da Zara nem existiriam caso eles estivessem formalizados, eles não teriam como competir com os preços de lugares sem os custos da CLT, teriam então que fazer outra coisa da vida, tocar flauta na praça (existe algum sindicato dos flautistas filiado à CUT?) ou voltar pro socialismo-indígena-do-século-21 de onde fugiram. (http://operamundi.uol.com.br/noticias_ver.php?idConteudo=4004).

Monday, August 15, 2011

O welfare state

Garantir uma renda mínima para todos me parecia uma boa idéia quando eu tinha os meus 20 anos. Claro, há riqueza o suficiente no mundo e basta o governo tirar dos mais ricos e dar pros mais pobres pra justiça social se realizar na Terra. Nada de comunismo, socialismo, nenhum radicalismo do tipo, apenas a boa e velha social-democracia, o caminho do meio entre a liberdade de mercado e o planejamento de estado comandado por políticos benevolentes e compassivos - "só temos que votar nas pessoas certas, gente." Então a internet apareceu e o meu horizonte - que antes se resumia, fora do ambiente familiar, ao sistema educacional e aos poucos jornais e canais de TV - se expandiu tremendamente. Eu não podia mais adocicar a história do socialismo, não tinha mais o direito de ignorar os conceitos que os ministros da Fazenda do Brasil disfarçavam com o economês trololó, não podia mais engolir o enredo da Revolução Industrial malvada que tirou os ingleses das suas existências idílicas no campo pra enfiá-los (aparentemente à força) em fábricas alienadoras e exploradoras. Não, um mundo novo de informação se abria pra mim e eu não podia permanecer confortável na minha ignorância orgulhosa, eu tinha que escarafunchar a Grande Rede pra formar uma opinião mais consistente com a realidade. Havia, entre a verdade e o que me era apresentado como a verdade, um vão gigantesco que eu devia preencher cruzando dados e fatos, era apenas uma questão de querer realmente entender, os meios estavam todos à minha disposição. Então, depois de anos estudando e jogando fora todo o papo furado, cheguei à seguinte conclusão: a diferença entre o welfare state e a sua falência é uma questão de tempo. Essa constatação não é meramente pragmática, porque também me parece claro que é fundamentalmente errado tirar de A pra dar pra B, com o governo e os seus agentes retendo uma boa parte dessa pilhagem. E mesmo supondo que conceitos como o contrato social ou o consentimento dos governados sejam válidos (não são), ainda assim o welfare state continua não sendo - pra usar uma palavra da moda - sustentável no longo prazo. Dessa sustentabilidade ninguém fala... Se a pessoa vai receber uma renda - tirada à força dos outros - simplesmente pelo fato de existir, surgem alguns problemas. Primeiro, a deterioração da estrutura familiar. Na Inglaterra, por exemplo, as mães solteiras são subsidiadas pelo governo e o que é subsidiado tende a aumentar, é uma questão lógica de incentivos. Com mais mães solteiras, mais jovens soltos por aí sem uma base familiar sólida, se agarrando então a outros jovens sem perspectiva, numa espécie de tribalismo urbano. Isso também cria um ressentimento mútuo entre as pessoas que pagam e as que recebem os subsídios, potencializando sentimentos como o nacionalismo e a xenofobia. Se essa ajuda governamental não existisse, as pessoas teriam que ser mais responsáveis pelas suas escolhas (inclusive sexuais) e teriam que confiar mais nas suas famílias e amigos como suportes em momentos de dificuldade, teriam que agir de forma que, caso precisassem, as pessoas mais próximas estariam dispostas a - voluntariamente - ajudá-las. Se ela vai receber um cheque do governo no final do mês independentemente do que faça, a tendência é a desintegração gradual desses laços. Óbvio que isso que estou dizendo soa como um conservadorismo atroz pra quem entende a onda de destruição na Inglaterra como uma falha do sistema em atender às justas demandas dos jovens-de-adidas-e-celulares-oprimidos-pelo-capitalismo, porque essas pessoas enxergam o governo como the ultimate provider e vêem o núcleo familiar como um obstáculo ao controle central que tanto apreciam. Repare que essas manifestações violentas, greves gerais e quebra-quebras na Europa acontecem justamente nos momentos em que a realidade bate à porta e os governos são obrigados a cortar alguns gastos e privilégios que esses grupos de pressão encaram como direitos adquiridos. Só que direitos adquiridos exercidos às custas dos demais não são direitos, são privilégios. O padrão é o seguinte na disputa democrática: os candidatos prometem uma aurora de maravilhas, os eleitores convenientemente acreditam no almoço grátis (imaginando que estarão mortos no longo prazo) e votam no político mais generoso com o dinheiro alheio. Acontece que, com o tempo e os incentivos do sistema, cada vez menos pessoas pagam e mais pessoas recebem os benefícios, colocando as contas públicas numa encruzilhada. Os governos então tentam adiar a bancarrota se endividando e/ou imprimindo dinheiro (criando inflação), mas isso não resolve o problema. Com as contas deterioradas, o desemprego e a insatisfação aumentam, abrindo espaço pra oposição assumir o poder prometendo um pouco mais de austeridade. Algumas mudanças são ensaiadas, contando sempre com a oposição no limite da sabotagem dos movimentos sociais (o PT e os seus tentáculos no Brasil são bons exemplos desse comportamento). Analistas políticos e outros intelectuais de esquerda aparecem na televisão e nos jornais reclamando dos cortes nos gastos sociais, que isso é uma desumanidade do capitalismo selvagem contra a justiça social etc e tal, que o país precisa de uma nova esperança, de um novo tempo contra a desigualdade social, vocês conhecem a ladainha da chantagem emocional. Então, depois de algumas pequenas reformas que evitam momentaneamente o colapso econômico, os campeões do outro mundo possível estão preparados pra retomar o poder e iniciar uma nova rodada de demagogia, até o dia em que o dinheiro dos outros acaba de vez e os outros ainda levam a culpa.

Thursday, July 28, 2011

A "teologia" do indivíduo

Sempre que você estiver advogando que todo indivíduo deve ser respeitado como um fim em si mesmo, que ele ou ela não devem ser usados como meios pros fins dos outros, vai surgir alguém te chamando de "egoísta", "extremista", "radical" e, ouvi outro dia, "teólogo do indivíduo". Vamos ver: uma teologia pressupõe a existência de um Deus, de um ser sobrenatural que tem de ser aceito com base na fé. Ora, um indivíduo não precisa de nenhuma crença sem evidência pra saber que ele próprio existe, que ele é real e está ali tendo aqueles pensamentos, mesmo que ele use essa capacidade pra tentar evadir a própria existência e experiência. Só que nem todo o malabarismo racionalizador do mundo vai ser capaz de negar que, afinal de contas, essa pessoa existe e está ali tentando equilibrar pensamentos contraditórios. Se quiser se sujeitar aos fins dos outros, essa pessoa é livre pra isso, mas - segundo o individualismo - ela não tem o direito de obrigar os outros a fazerem o mesmo. Depois de tentar equiparar a defesa do indivíduo com uma religião, mais críticas: "Veja, um indivíduo não opera no vácuo, não está sozinho no mundo, você é muito simplista." Óbvio que o indivíduo não está sozinho no mundo, se estivesse não haveria nem a necessidade de se falar em direitos individuais. Robinson Crusoé não precisava argumentar ou lutar pra ser um fim em si mesmo na ilha deserta, não havia ninguém ali dizendo que ele devia se sujeitar ao partido, ao governo, à sociedade ou a quem quer que seja, porque a defesa do individualismo só faz sentido justamente quando existem outras pessoas, é um conceito político, logo, social. Olha a palavrinha mágica aí, currupaco.

Wednesday, July 06, 2011

"Dinheiro é religião", segundo um astrólogo

Curioso com o que os astros tinham a dizer a meu respeito, fiz anos atrás uma leitura do meu mapa com uma astróloga. Mesmo não acreditando realmente naquilo, a sessão foi até emocionante, porque reafirmava de alguma maneira a visão idealizada que eu tinha de mim mesmo. Se aquilo me deixava bem na fita, também não pude deixar de pensar que a astróloga pode ter usado os meus preconceitos a respeito de mim mesmo pra que eu saísse satisfeito da consulta. Se eu demorasse mais duas horas pra sair de dentro da minha mãe, a minha personalidade seria diferente? Então por mais que ser leonino com ascendente em áries e lua em escorpião tenha dado uma espécie de validade externa ao que eu gosto de pensar sobre mim mesmo, não consigo acreditar em astrologia assim como não acredito em Deus, numerologia, tarô ou no misticismo esotérico que for. A posição dos astros, a soma das letras do meu nome, o homem invisível, nada disso é capaz de determinar quem eu sou ou o que penso, porque tenho uma certa margem de ação - dentro das minhas limitações e circunstâncias - pra mudar de opinião e atitude caso eu esteja realmente disposto a isso. Eis que esbarro então com esse pequeno texto do Oscar Quiroga, um astrólogo bem conhecido, dizendo que "dinheiro é religião", acompanhe: "O Deus dinheiro está com os dias contados." O dinheiro é um meio de troca e só acaba no dia que a humanidade acabar. Se um plantador de tomates faz uma consulta com o Oscar Quiroga, ao invés de ser pago com uma caixa de tomates, o Quiroga vai ser pago com dinheiro. O dinheiro representa a produção e a venda de tomates pelo fazendeiro, e o que acontece ali é uma relação entre um produtor de leituras astrológicas e um produtor de tomates, com o dinheiro mediando essa troca. "O Ocidente adora atacar os países cujos Estados são regidos por livros sagrados, porém, se observasse com mais atenção seu próprio umbigo, perceberia que por aqui também se faz o mesmo." É bom mesmo as pessoas discutirem as guerras, assim como é imperativo discutirem o modo como os governos manipulam as suas moedas, mas daí a comparar o dinheiro com a religião vai uma distância intergaláctica. "Pelo Deus dinheiro e seus complexos rituais e dogmas tudo se faz, tudo se sacrifica, promovendo miséria, ignorância e preconceito tal qual ocorre nos países em que os livros sagrados servem de base para as leis da civilização." Como é que o "Deus dinheiro" do Quiroga promove a miséria, a ignorância e o preconceito? Mais capaz da falta de dinheiro (produção e troca) promover essas coisas. "O dinheiro, tal qual os dogmas religiosos, não admite questionamento, impõe seu poder sem fornecer explicações nem lógica." Claro que admite questionamento, você é a prova disso. E o dinheiro, por si só, não impõe nada, quem impõe algo, além do governo (esse sim o impositor que as pessoas deviam questionar), é a estrutura da realidade. Se o Quiroga quiser comer - e ele não só quer como precisa - alguém tem que produzir essa comida. A pessoa que produziu essa comida também precisa comer, e o dinheiro serve pra facilitar essa cadeia de produção que coloca a comida na mesa. Culpar o dinheiro pelos males do mundo é um buraco negro no raciocínio maior que o sistema solar. "O dinheiro é uma religião que hoje em dia não tem mínima contenção na forma de leis ou regras, pode tudo, é a maior forma de autoritarismo nunca antes vista na história humana." Não me surpreende que esse texto tenha sido indicado por um socialista. Será que o Quiroga é ateu em relação ao "Deus dinheiro" quando recebe o salário do Estadão? Aliás, salário tem esse nome porque o sal era usado justamente como dinheiro (moeda de troca) na época do império romano. (http://www.estadao.com.br/horoscopo/)

Monday, June 27, 2011

David Mamet e os jornais

A imprensa progressista (socialista) dos EUA entrou em polvorosa ao ver que um dos seus heróis, o dramaturgo David Mamet, havia traído o movimento e virado um "conservador com tendências libertárias influenciado por Hayek" (http://youtu.be/T-CiR1boTw4). Foram então atrás dele pra saber como tinha se dado tal abominação e perguntaram o que ele havia feito - além de ter se transformado num FDP insensível - pra melhorar a própria vida. Ele respondeu que tinha deixado de beber e ler os jornais. Não sou um dramaturgo famoso, mas já se vão uns 10 anos desde que abandonei o esquerdismo padrão brasileiro. Bebo menos do que bebia há uma década e ainda leio o jornal, mais especificamente O Globo, uma versão brasileira do New York Times que o Mamet deixou de acompanhar com satisfação - um dia chego lá. Enquanto isso não acontece, a leitura matinal do jornal continua me dando uma idéia do buraco filosófico que a militância progressista (socialista) cava diariamente na opinião pública. Não que a orientação editorial de um grande jornal tenha como ser radicalmente de esquerda como um A hora do povo da vida, a coisa se dá de maneira mais suave e subliminar, com alguns poucos articulistas liberais ou conservadores contrabalançando o viés progressista (socialista) das notícias. Pode-se dizer que um esquerdista hardcore também consideraria O Globo um inimigo da justiça social, parte integrante do Partido da Imprensa Golpista (PIG), mas a Rede Globo sempre fez parte do grande esquema de poder e só vai se posicionar efetivamente contra a agenda progressista (socialista) do PT quando a situação sair do controle e ficar mais ou menos como está hoje na Grécia. É bom lembrar que o governo é o maior anunciante do país, além de ter a lei e a arma na mão. A social-democracia parece funcionar muito bem pros políticos, burocratas e pros que recebem verbas e privilégios em troca de apoios e votos, até o dia em que a realidade bate à porta e demonstra que esse esquema de corrupção mútua do welfare state é insustentável. (http://www.nytimes.com/2011/05/29/magazine/david-mamet-talks-about-his-shift-to-the-right.html)

Monday, June 20, 2011

A diferença da discussão política

Se eu sou Flamengo e você Botafogo, tudo bem, cada um com seu cada um. Se eu gosto de chillwave e você de death metal, beleza, good luck with that. Se eu assisto reality shows e você nem liga a TV, vida que segue. Agora, se eu acho que o governo tem que ser assim e assado e você considera que ele tem que ser assim, assado, cozido e grelhado, essa diferença vai ter uma outra natureza, porque vai envolver o uso da força. Não sou obrigado a torcer pelo Flamengo, a ouvir chillwave ou a assistir Keeping Up with the Kardashians, mas sou obrigado a obedecer as regras impostas pela mão visível do governo e pelo documento invisível chamado contrato social, quer eu queira ou não. Nenhum problema se você gosta da banda X, do cineasta Y ou do escritor Z, a coisa muda de figura se você acha que o governo deve patrociná-los. Não que não se possa discutir o mérito desses artistas, mas essa discussão vai ficar no terreno subjetivo e o seu gosto não vai interferir diretamente no meu. Se essa sua preferência, no entanto, vier acompanhada do subsídio do governo, ela vai interferir sim no exercício do meu gosto, porque eu vou ter menos meios de exercê-lo, já que uma parte foi desviada à força pra patrocinar X, Y ou Z. Ou se governa igualmente pra todos ou a política vira uma guerra entre grupos de pressão pelo controle da máquina capaz de tirar de um pra dar pra outro. Então a igualdade de todos perante a lei vira uma ficção substituída pela mobilização de pequenos grupos organizados atrás de privilégios às custas da grande massa desorganizada. Quando a religião andava misturada com o governo, ter uma crença diferente da oficial ou não ter uma religião at all podia te causar muitos problemas com o poder, mas quando a civilização finalmente separou a religião do governo, o camarada passou a poder ser espírita, protestante, macumbeiro ou o que quer que seja, a sua opção espiritual se transformou num assunto pessoal ao invés de ser um assunto estatal. Como as pessoas ainda assumem que é papel do estado (e dos políticos) conduzir a economia (e a cultura em geral), o que seriam diferenças estéticas ou éticas se transformam numa briga de foice e martelo pra ver quem vai (tentar) impor os seus valores aos outros.

Tuesday, May 31, 2011

A maconha e as ideologias

Rolaram passeatas em favor da descriminalização da maconha com alguns confrontos com a polícia, o que motivou uma outra passeata chamada de Marcha da Liberdade, em que o governo deixou a galera se juntar com cartazes contanto que não usassem a liberdade de mencionar a maconha. Me tornei liberal depois de ficar encasquetado com algumas questões que a social-democracia padrão não era capaz de me responder de maneira satisfatória. Por que o governo me proíbe de consumir isso e aquilo? É pro meu próprio bem? Mas como é que os outros vão saber o que é bom ou ruim pra mim? Se eu quiser consumir algo por livre e espontânea vontade, sem iniciar violência, o que a lei tem a ver com isso? Não seria através do processo de tentativa e erro que a humanidade e a ciência avançam? Se a virtude vai ser imposta sob a mira de uma arma, ela continua sendo virtude? Então juntando dois princípios que sempre me fizeram sentido (1 - a liberdade de um termina quando começa a do outro e 2 - a liberdade tem que ser acompanhada da respectiva responsabilidade), me tornei um liberal favorável não só à legalização da maconha como de todas as substâncias e atos consensuais. Legalizar uma prática é uma coisa, apoiá-la é outra, por exemplo: Ron Paul, o libertário mais famoso dos EUA, é um senhor religioso de quase 80 anos casado há mais de 50 com a mesma mulher que não deve nem saber identificar direito o cheiro de maconha, mas apóia a sua legalização por entender que as pessoas devem ser livres pra cometer os seus erros e acertos, aprendendo no processo. Roubou ou matou pra manter um vício? Vai responder na justiça, liberdade e responsabilidade. Isso não é levado muito em consideração no debate atual, talvez porque esse individualismo diminua o poder político de se interferir na vida alheia, talvez porque se considere que as pessoas não sejam mesmo capazes de cuidar de si mesmas, talvez porque esse papo de liberalismo seja uma utopia maluca contra os pobres, tudo isso junto e misturado faz a discussão ficar polarizada entre os argumentos esquerdistas e conservadores. Conservadores como o Reinaldo Azevedo dizem que o usuário financia a violência do tráfico e esquerdistas como o FHC dizem que o consumo é uma questão de saúde pública. Ambos estão, sob o prisma liberal, errados. O usuário só financia a violência do tráfico porque a maconha é proibida in the first place e nem todo usuário é doente ou quer ser tratado pelo SUS. Entre o remédio e o veneno, a diferença é a dose e cada um deve ser livre pra decidir a própria dose, arcando com as conseqüências da sua escolha. Fora da responsabilidade individual não há salvação, apenas outras pessoas decidindo por você.

Friday, May 27, 2011

Green peace, war on mankind 3


"Sol, parece programa da Regina Casé, mas quando a gente está escrevendo estas poucas linhas você sabe quantos hectares estão sendo desmatados? Quinhentos por dia. Multiplica por dez mil metros..." O novo código preserva, pelo menos no papel, 70% dos chamados biomas, sobrando 30% do território pras atividades humanas. Se é essa a proposta que deixou os ambientalistas furiosos, quem é que não está sendo razoável? "Sol, pergunta pro pessoal de Itaunas, no Espírito Santo, o que eles acham dessa cascata de maré enchendo." Ninguém constrói as suas casas perto do mar esperando vê-las engolidas pela natureza, o que não é o mesmo que dizer que esse evento foi causado por X (ação do homem) ou Y (ação do homem). "Sol, o problema é que dá pra consorciar hortifrutis com floresta, mas e a ganância de derrubar aquela tralha toda e vender no mercado negro?" O mercado negro acontece, por definição, quando o governo lança restrições à atividade econômica. Foi assim com a Lei Seca nos EUA e é assim com a atual guerra contra as drogas. O Greenpeace, a WWF, a Fundação Ford e todas essas ONG's podiam deixar de fazer lobby em Brasília pra manter as florestas brasileiras virgens à força e podiam, com esse dinheiro economizado, comprar grandes extensões de terra, cercá-las e mantê-las intocadas do jeito que eles querem. "Dá pra criar boi estabulado, aproveitando esterco pra plantação ou biodigestor, mas dá trabalho. O que os pessoal não quer é trabalho." Se esse esquema não tem como competir com outros esquemas de maior escala, o que fazer? Proibir a criação extensiva de gado? O caminho pra essa produção mais "ecologicamente correta" passa mesmo por esses selos de consumo "verde" ou "consciente", em que as pessoas aceitam pagar um pouco mais por isso. É assim com o boi estabulado assim como com qualquer outro produto raro e diferenciado. "Jogar um cigarro no mato seco é sempre mais fácil, e sempre dá pra botar a culpa na combustão espontânea. Depois solta a boiada no capoeirão e não se fala mais nisso." Olha o que eu li por aí nas minhas pesquisas: "Quando uma floresta, primária ou secundária, é derrubada para o plantio de alimentos, caso o agricultor não tenha condições de utilizar um maquinário altamente caro, não há outra coisa a fazer a não ser colocar fogo na área. Além de ser uma forma muito prática de limpar uma área para plantio, o fogo traz outro benefício: as cinzas. Estas elevam a fertilidade de um solo ácido. As cinzas são um material alcalino, portanto diminuem a acidez dos solos e fazem com que seja eliminada a nocividade de certos elementos, como o alumínio, por exemplo." "Sol, eles desmatam para satisfazer as necessidades deles mesmos. Não tem ninguém que fica pedindo pra hortifruticultor desmatar para plantar roça de batatinha." Isso é muito bom pra ilustrar a metáfora do Adam Smith sobre a "mão invisível": ninguém pediu pro agricultor plantar roça de batatinha, ele o fez por interesse próprio, claro, mas esse interesse próprio acaba - como efeito colateral - beneficiando todas as outras pessoas por aumentar a oferta de alimentos e diminuir os seus preços. "Sol, se o governo não determina isso de cima para baixo não tinha mais floresta amazônica." Grande parte da floresta amazônica já pertence ao governo e é nas barbas dele que acontecem os desmatamentos. "Vai por mim, Sol, se não tem Lei Seca nego sai doidão do buteco dando porradão de carro e matando gente que tá chegando em casa de cara limpa." O abuso de uns não deveria tolher o uso de todos. O problema é de impunidade, que tem a ver com o esvaziamento da responsabilidade individual, que tem a ver com a tutela governamental. Ao invés de punir de antemão todas as pessoas que bebem uns chopps ou umas taças de vinho e continuam perfeitamente capazes de guiar os seus carros com segurança, podia-se começar a punir com agravante quem causa acidentes embriagado ou dirige de forma agressiva e ameaçadora, mas isso ia dar mais trabalho e ia render menos multas. "Caramba, se com o Governo enchendo o saco a realidade ambiental brasileira é essa pouca vergonha de gente fazendo o que quer na terra dele, imagina sem." O governo, do jeito que está configurado, é o problema e não a solução. "Sol, o homem chegou por último nesse vale de lágrimas e detonou o planeta." A vida não é só sofrimento, vamos combinar. "Não quero que matem todo ser humano mas que pro planeta seria melhor, isso não tem a menor dúvida." O planeta não tem consciência pra saber o que é ou não é melhor pra ele, esse é um julgamento humano. "Agora que a gente sabe após breves cinco milhões de anos como construir uma civilização (embora devamos considerar que em muitas regiões brasileiros isso está muito longe de acontecer) é hora de usar essa expertise (palavra que odeio) pra fazer as coisas bem feitas." Toda discussão construtiva vai nesse sentido de melhorar as coisas. "Eu também mato uma porrada de mosquito, parada e por mim tudo quanto é mico estrela poderia ir pro beleléu - sem falar nos pardais, maravilhosa contribuição lusitana à Terra Brasilis - mas não acho bacana ficar matando onça só por esporte." A tendência é que a própria pressão social diminua a prática desse tipo de "esporte". "Você conhece coisa mais grave na categoria perverter a ordem outrora pacífica e idílica do que jogar uma bomba atômica no atol de Mururoa, no paraíso do Pacífico Sul?" O homem não é um anjo, senão seria chamado de "anjo" e não de "homem". Anjos não existem, homens existem. Se a humanidade avançou a tecnologia a ponto de criar uma arma dessas, o que vai se fazer? Proibi-las - regra que criminosos, por definição, não respeitam muito - ou cuidar pra que não se criem situações de conflito em que exista a chance delas serem usadas? "Bicho come bicho por sobrevivência, mas só um bicho mata outro bicho para botar a cara empalhada na parede da sala, como peça de decoração. Não conheço nada mais perverso do que matar por esporte e expor a morte por ostentação." Adoro certos animais e considero desprezível quem maltrata ou mata os bichos por diversão, o caminho é mesmo o da denúncia, do boicote social. "O homem também não vive um dilema moral ao matar um bicho pra botar a pele no chão, como peça decorativa. E deveria viver." Antigamente, uma pele de animal tinha diversas utilidades práticas pro homem, como se aquecer, por exemplo. Hoje em dia com o surgimento de outros materiais isso não é mais necessário (pelo menos nas sociedades mais industrializadas), então a pressão social e o avanço da civilização cuidam pra que isso aconteça cada vez menos.

Thursday, May 26, 2011

Green peace, war on mankind 2

"Qual o posicionamento na questão ambiental você considera plausível?" O direito de você usar a sua propriedade termina quando se inicia a propriedade do outro, ou seja, o dono da terra pode plantar, criar gado ou o que quiser dentro da sua propriedade desde que a sua ação não prejudique o outro, e isso serve na sua relação com o outro tanto na cidade quanto no campo. "Ou melhor, o que você considera ambientalismo não xiita?" Tudo o que eu disser aqui vai ser considerado "xiita" por quem imagina que a amazônia esteja acabando, que as marés estejam enchendo e que alguma catástrofe está prestes a acontecer caso o governo não multe ou prenda os agricultores e pecuaristas que não respeitam as regras e limitações impostas ao uso das suas propriedades. Se o homem quer frutas, verduras, legumes e cereais, ele tem que plantar; se quer carne, tem que criar animais. Ninguém desmata por sadismo, fazem isso pra satisfazer as necessidades e desejos das próprias pessoas. "Ou ainda, não há nada que preste no ambientalismo?" Eu também quero ar limpo, florestas frondosas e rios despoluídos, só não acho que o governo determinando isso de cima pra baixo sem levar em consideração as pessoas seja a solução. "E, se assim for, como você lida com as questões envolvendo o homem e o meio ambiente?" O homem também faz parte do meio ambiente, ele não é um forasteiro que veio perverter uma ordem outrora idílica e pacífica. Seres vivos se alimentam de outros seres vivos, um leão não vive um dilema moral ao atacar uma gazela, e essa é a diferença entre os animais irracionais e o homem, a sua consciência. Só que essa consciência - se quiser continuar operando, ou seja, viva - não o exime de lidar com a estrutura da realidade, pelo contrário, foi justamente ela quem permitiu à humanidade acumular conhecimento ao longo do tempo pra construir uma civilização em meio a um ambiente hostil.

Wednesday, May 25, 2011

Green peace, war on mankind

Depois que o sacrifício do indivíduo ao coletivo (socialismo) não deu os resultados esperados, outra forma de controle devia ser encontrada, então a onda agora é sacrificar o indivíduo à natureza (ambientalismo). É a inversão de sempre: o governo não deve satisfação aos seus cidadãos, os cidadãos devem satisfação ao seu governo; a natureza não deve ser usada em benefício do homem, o homem deve ser usado em benefício da natureza. O ambientalista parte do princípio de que se algo não for feito já, se o homem não repensar (restringir) o seu consumo, a natureza vai pro brejo. Claro que o brejo continua fazendo parte da natureza, assim como o homem e tudo o mais que existe. Esse ambientalismo xiita, como qualquer outra religião, também tem a sua escatologia e o seu profeta, Al Gore. "Olha aqui, humano ganancioso e desprezível, se você continuar desmatando pra plantar ou criar gado, a Terra vai acabar, pau nos ruralistas exploradores de Gaia!" Assim como os comunistas não gostam dos comerciantes, os ambientalistas também não gostam dos ruralistas, percebe o padrão? Acontece que nada indica o fim do planeta, o mar de Ipanema ainda não invadiu a Vieira Souto e mesmo a tese do aquecimento global já é desacreditada pela própria ONU, sendo chamada agora de "mudança climática". "O tempo mudou, culpa do desmatamento e do combustível fóssil!" Psicologizando o assunto, poderia-se especular que, da mesma maneira que os comunistas não gostam (ou dizem não gostar) do individualismo porque não apreciam muito o que vêem no espelho, os ambientalistas parecem não ter também uma opinião muito positiva sobre a própria espécie. Então o homem vira a última das prioridades do homem, pensamento que eu, membro da espécie, não tenho como apoiar.

Monday, May 23, 2011

Página 26 do Mundo

O que me chama a atenção nessa pendenga eterna entre israelenses e palestinos é o modo quase unânime como os brasileiros que se metem a falar de política se posicionam, tomando automaticamente as dores dos palestinos. Não que isso surpreenda, porque o padrão ideológico aqui é fácil de detectar: se é contra os EUA (o "imperialismo"), o capitalismo (o "instrumento de opressão imperialista") e Israel (os judeus aliados dos inimigos imperialistas), o brasileiro-médio-representante-do-zeitgeist-mental vai ser a favor. A pessoa não precisa nem ser uma comunista hardcore pra se encaixar nessa generalização, basta não querer destoar muito do que se diz por aí. Esse confronto na opinião pública segue o conceito de guerra assimétrica: cobra-se toda a retidão de um lado (Israel) e exime-se, de antemão, qualquer culpa do outro (Palestina). Então quando o Hamas prega a destruição da "entidade sionista" e joga foguetes a esmo em Israel, o estado judeu não pode nem reagir, justamente por ser mais forte, o que caracterizaria uma "reação desproporcional". Ficar ao lado do mais fraco por ser o mais fraco não é (ou não deveria ser) critério de justiça. Mas isso tem uma explicação que também passa pela ideologia: se a pessoa assume que A ficou forte e rico porque "explorou" B, então todo o contexto se torna secundário; B está certo e tem o direito de jogar bombas, enquanto A tem o direito de receber bombas na cabeça sem dar um pio até criar vergonha na cara e deixar o Oriente Médio totalmente dominado pelos iluministas muçulmanos.

Thursday, April 07, 2011

Camelo e o "fundamentalismo materialista"

Antes de comentar a reportagem do O Globo com o Marcelo Camelo, devo dizer que gosto do Los Hermanos e das músicas dele junto com o Hurtmold, só que nada disso faz diferença pra discussão, a questão é de princípio. "O compositor acusa, no fundo dessas questões, o que chama de "fundamentalismo materialista". Um pensamento que sustentaria a reação ("De uma classe média dateniana, com um caráter denuncista escroto") à autorização dada pelo Ministério da Cultura para que o blog de poesia de Maria Bethânia captasse R$1,3 milhão." O valor é subjetivo, mas, nesse caso, o dinheiro é público. Não adianta evocar o Datena pra tentar desqualificar quem questiona essa política de escolher A em detrimento do resto do alfabeto. Qual o critério pro governo escolher A e não B, C ou D? Denunciar essa arbitrariedade não é "escroto", escroto é achar que o artista A tem direito ao dinheiro de todos, inclusive daqueles que não concordam com isso ou não gostam desse artista. "As pessoas entendem o valor de uma barra de ouro, mas não entendem o valor de Bethânia declamando poesia." Quem entender o valor de um blog de poesia da Bethânia pode, voluntariamente, colaborar financeiramente com ele. Quando se mete o governo no meio, esse aspecto voluntário desaparece, você vai ter que pagar mesmo que não queira. Ninguém é obrigado a dar valor ao ouro, todos são obrigados a dar valor aos escolhidos do MinC. "Da mesma forma, pensam que é justo baixar música de graça (...)" A única maneira de se cobrar pelo partilhamento de arquivos é controlando a internet, inclusive a troca de e-mails. A web é fluida demais pra isso funcionar, mas veja por outro lado: por causa dessa facilidade de acesso às músicas, mais pessoas passam a conhecer e gostar do trabalho do artista, que pode então ganhar dinheiro fazendo shows, por exemplo. "(...) não pagar direito autoral em baile de carnaval. Sem música do Braguinha você não faz baile!" Como é que se calcula isso? Uma banda de bloco ou baile toca "A cabeleira do Zezé" e passa a dever quanto pro João Roberto Kelly? Vai ter em todos os blocos e bailes um fiscal do Ecad anotando: "tocou duas do Braguinha por 10 minutos, 5 do Kelly por 20 minutos, etc"? Saíram uns mil blocos nesse último carnaval, tem fiscal suficiente pra controlar tudo isso? E quem vai pagar esses fiscais? E quem vai fiscalizar esses fiscais? Se eu assoviar a música da Rebecca Black pra fazer uma graça, eu vou estar devendo algo a ela? Se eu pegar o violão e tocar uma música do Camelo numa rodinha (é só uma hipótese), tenho que pagar direito autoral também? "O segurança ganha, o cara que vende confete ganha, só o autor, que dá sentido àquela festa, não ganha." Eu entendo que esse seja um debate complicado, mas fico curioso pra saber como vão fazer pra cobrar por cada música executada em cada festa que se faz no Brasil se mal conseguem fiscalizar o que se toca na rádio. "Nesse debate, estou à direita da direita. Se for questionar propriedade, questiono primeiro a da barra de ouro, um elemento químico que existe independentemente de nós." O ouro pode existir independentemente de nós, a barra de ouro não, é um processo longo e trabalhoso desde extrair o ouro da natureza até transformá-lo em barra. Você pode pegar uma barra de ouro, você não pode pegar uma música. A barra de ouro é tangível, a música não. O João Roberto Kelly pode continuar tocando as suas marchinhas mesmo quando outras pessoas as executam, o dono de uma barra de ouro não pode mais usufruí-la se alguém roubá-la. O ouro é escasso, a capacidade de se executar uma música - ainda mais na era digital - não. Agora, se você quiser que o próprio João Roberto Kelly execute as suas próprias músicas, ele tem todo o direito de cobrar e você tem todo o direito de pagar ou não. O caso Bethânia não deixa escolha: o MinC já decidiu e você tem que pagar mesmo que não queira. O valor é subjetivo, mas, nesse caso, o dinheiro é público e isso faz toda diferença. (http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2011/04/06/marcelo-camelo-lanca-disco-elogia-sao-paulo-se-diz-direita-da-direita-na-questao-dos-direitos-autorais-924176443.asp)

Monday, March 14, 2011

O senso comum e o bom senso

Volta e meia se lê que a era das ideologias já era, que o lance agora é ser "pragmático". Tenho a impressão de que esse raciocínio parte normalmente de pessoas que professavam uma ideologia (socialismo) que se mostrou inviável e que, pra não reconhecerem o triunfo intelectual do que sempre combateram (liberalismo), se refugiaram numa ideologia sem princípios, o que é muito conveniente quando se tem a arma na mão (governo). O PT chegou lá e viu (ou já sabia) que não seria possível aplicar o socialismo que sempre defendeu, mais "pragmático" seria aparelhar o máximo possível o estado brasileiro e comandar um capitalismo de compadres, com o governo "fomentando" o desenvolvimento. Claro que as únicas coisas que esse tipo de governo consegue "fomentar" são a inflação, a corrupção, a dependência, a violência, a ineficiência e o enriquecimento dos seus grupos de interesse favoritos às custas dos demais, mas aparentemente essa é a vontade da maioria - "justiça social" - vamo que vamo. Porque, de fato, a economia e a política não operam no vácuo, elas estão subordinadas aos valores predominantes na sociedade, você não pode esperar uma cultura tolerante com as diferenças num lugar como o Oriente Médio, por exemplo, que ainda não separou o estado da religião. Imagine a combinação da força do poder com a irracionalidade da religião e tenha uma idéia da confusão. A chegada da democracia num país desses não vai operar milagres, um povo majoritariamente tosco vai ter sempre um governo tosco. Passar de uma cultura tribal pra uma civilizada não acontece de uma hora pra outra, mas pra que essa evolução tenha o mínimo de chance de acontecer são necessárias algumas condições: Que as pessoas não estejam engessadas num determinismo paralisante, o ser humano tem livre-arbítrio. E que as pessoas tenham a noção de que pra determinados fins existem idéias melhores que outras e que é possível distingui-las através da experiência e do julgamento racional. Claro que mudanças são sempre difíceis, ainda mais com a quantidade de interesses em jogo. É complicado iniciar um debate desses por aqui, porque quando os centros irradiadores de idéias não estão tentando glorificar ou justificar o status quo (afinal de contas, o status quo paga as suas contas), apresentam como alternativa uma concentração ainda maior de poder. Então quando os poucos que se incomodam com o modo como o poder é exercido tentam encontrar respostas, a intelligentsia oficial lhes garante uma prescrição teórica que agrava ainda mais o que se pretendia curar. A saída é organizar-se em lugares ainda não totalmente cooptados pelo poder, como a internet, pra desmontar os mitos que formam o senso comum que legitima o avanço do governo sobre as liberdades individuais. Porque há o senso comum e o bom senso, o primeiro doutrinado pelas escolas e meios de comunicação em simbiose com o governo e o segundo resistindo o quanto pode ao ataque dessas forças. O senso comum é criado pelo ambiente de idéias convenientes ao poder e o bom senso é criado pela própria necessidade de sobrevivência do ser humano. Um é subordinado às circunstâncias do momento, o outro à própria natureza do homem.

Wednesday, February 23, 2011

A liberdade de um termina quando:

Muitos olham pro modo como o poder é exercido e não conseguem imaginar como as coisas poderiam ser diferentes, mas a política é dinâmica e o que parece consenso hoje pode virar controvérsia amanhã. A escravidão no século 18, por exemplo, era fato consumado e os poderosos da época nem queriam imaginar como aquele arranjo pudesse depois ser questionado e finalmente abolido. Hoje se percebe o absurdo de se possuir outro ser humano, mas na época era o de praxe, "sempre foi assim, por que mudar?" Não importa se "sempre foi assim", isso não torna certo o errado, mesmo que o equívoco conte com o apoio da lei ou da maioria. Como o ser humano tem a capacidade de abstração pra imaginar outras possibilidades, o desejo de alterar o que se considera errado é permanente. E ao mesmo tempo em que todos concordam que há espaço pra melhora, poucos concordam sobre o modo de realizar essa melhora. Quer dizer, há uma certa convergência de valores e conveniências que resulta no que se conhece como o "sistema", mas esse arranjo é instável, são muitos interesses em jogo e a sua sustentação depende de condições econômicas objetivas e uma mentalidade dominante que o dê legitimidade. Então se as pessoas concordam que a educação deve ser controlada e fornecida "de graça" pelo governo, é isso o que elas vão ter, num ciclo que se retroalimenta: como o governo controla a educação, os seus agentes vão ter todos os incentivos pra fazer a apologia desse controle e a maioria doutrinada vai acabar encarando esse arranjo como algo tão natural como a lei da gravidade. Só que a educação controlada pelo governo não é uma imposição física da realidade, é uma imposição construída pelo homem, que - como a escravidão - também pode ser abolida pelo homem. Mas por que eu tô falando isso? Porque se hoje não há mais uma escravidão explícita como a do século 18, ainda há muita violência passível de abolição. Indo nos fundamentos, uma regra ética: a liberdade de um termina quando começa a do outro. Imagino que a maioria das pessoas concorda com isso em tese, mas quantas estão realmente dispostas a aplicar esse pensamento com consistência? Se a minha liberdade termina quando começa a do outro, estamos falando de dois indivíduos diferentes, não estamos falando de dois grupos diferentes, a minha liberdade não é a dos homens nascidos no Rio descendentes de X ou Y com renda de até Z salários mínimos, a minha liberdade é minha e a sua liberdade é sua. Agora, como determinar onde começa e onde termina a liberdade de um ou de outro? Não há como exercer a liberdade a não ser através do próprio corpo, o seu corpo é seu. Pode parecer redundante, mas em sistemas coletivistas - tipo comunismo ou nazismo - você meio que pertence ao coletivo, numa espécie de escravidão pelo "bem comum" definido por quem tem o poder. Então com a propriedade de si mesmo você é livre pra lidar com as outras pessoas que, como você, são soberanas de si mesmas. Essas relações não são impostas, a lei da "liberdade de um termina quando começa a do outro" diz basicamente que você não pode iniciar agressão, o que remove as imposições do cardápio legislativo. Ou você acha que você ou a maioria têm o direito de impor um comportamento ao outro? Use a persuasão e esqueça a iniciação de agressão. O lance é que esse princípio tem um violador constante, o governo e os seus representantes. Sei que falam num "contrato social", mas nunca o assinei. Se eu quero educar o meu filho em casa, eu não posso, sou obrigado pela lei a matriculá-lo em alguma das instituições de ensino aprovadas pelo governo. Se eu quero usar determinada substância ou comer determinado alimento, eu não posso, porque o governo diz que me faz mal e sobrecarrega o sistema público de saúde. Se eu quero contratar alguém pra um trabalho qualquer, eu não posso, a não ser que a pessoa tenha o certificado X aprovado pelo governo. Se eu quero abrir um estabelecimento em que o fumo é permitido, eu não posso, porque faz mal pra saúde e as pessoas são aparentemente incapazes de decidirem por si mesmas. Então a "liberdade de um termina quando começa a do outro" acaba virando "a liberdade de um termina quando o governo determina". Quem vive nesse esquema de controle acaba tendo todos os incentivos pra usar o governo a fim de garantir privilégios ou impor sobre os outros aquilo que imagina ser o correto. Não há mais liberdade, há uma guerra de todos contra todos com o objetivo de usar a força do "contrato social" em favor da agenda A ou B. Não importa se você considera a sua agenda nobre ou justa, o fato de muitas pessoas idolatrarem a Elis Regina, por exemplo, não justifica o uso de dinheiro público pra patrocinar um show em sua homenagem. Num sistema voluntário, os fãs da Elis Regina se reuniriam e pagariam pelo ingresso, pelo DVD e viabilizariam o projeto, sem obrigar o outro - através dos impostos - a pagar a conta. Se os impostos fossem voluntários, não teriam esse nome.

Wednesday, February 09, 2011

Comentários sobre o Roberto Campos

Quando comecei a acompanhar o debate político, o Roberto Campos era o vilão favorito dos nacionalistas e socialistas, que o chamavam de Bob Fields, "lacaio do imperialismo", "vassalo do FMI" e "entreguista", entre outros nomes depreciativos. Mesmo eu não tendo muita noção do que tava acontecendo, essa campanha de desmoralização tinha efeito sobre mim, que identificava aquele senhor com tudo o que havia de errado no mundo. Claro, eu era apenas uma criança influenciada pelo ambiente e é mesmo complicado escapar da doutrinação nessa fase. Quando o mito da superioridade moral da esquerda sucumbiu aos meus olhos e me encaminhei pra uma visão mais liberal das coisas, comecei a acompanhar os artigos do Bob Fields e finalmente percebi o seu valor. Fiquei então curioso pra ler o seu livro de memórias - muito elogiado pelo Paulo Francis na época do lançamento - porque o homem não era apenas um liberal, mas um liberal que viveu o poder por mais de meio século e desenvolveu, ao longo dessa experiência, um ceticismo cada vez maior em relação à benevolência e eficiência do governo. "O século do coletivismo foi talvez o mais violento da história humana. Eclodiram duas guerras mundiais. Realizaram-se dois grandes experimentos de engenharia social, visando ambos a criação de um homem novo e superior: o homo aryanus e o homo sovieticus. Somados os expurgos e conflitos em vários continentes, o experimento socialista terá liquidado talvez 50 milhões de pessoas. O nazi-fascismo, com a II Guerra e o holocausto, sacrificou cerca de 45 milhões de pessoas. E nenhum desses experimentos de engenharia social logrou mudar permanentemente os homens. Houve apenas um temporário eclipse da razão e da compaixão." Você deve estar acostumado aos apelos em nome do bem comum, da comunidade, da nação, da pátria et cetera, mas quantas vezes ouviu falar das maravilhas do individualismo? É natural colocar o próprio interesse em primeiro lugar, mas reconhecer isso ainda é uma espécie de tabu. Não estou dizendo que a pessoa só pensa nela mesma, estou dizendo que a pessoa pensa primeiro nela e depois nos outros, use a própria experiência pra comprovar essa parte do seu instinto de sobrevivência. Você até se sacrifica pelo outro, mas faz isso quando o outro significa algo pra você. Somente o reconhecimento da individualidade de cada um é capaz de promover uma justiça livre de preconceitos de cor, raça, classe ou do que quer que seja. Sei que estamos inseridos num contexto de influências mútuas, mas a responsabilidade - pro bem ou pro mal - tem que ser individual. Responsabilizou-se grupos ao invés de indivíduos ("proletários" X "burgueses", "arianos" X "judeus") e foi a violência que se viu. Só o indivíduo pensa, só o indivíduo age. Só o indivíduo faz o bem, só o indivíduo faz o mal. Se aconteceram e acontecem tragédias inspiradas em alucinações coletivistas do naipe de um nazismo ou de um comunismo, é porque não se respeitou as diferenças entre as pessoas e não se reconheceu cada uma delas como fins em si mesmas (individualismo). "Nesse fim de século ressurgem tendências liberais sob a forma do capitalismo democrático. Este se baseia na convicção de que somente através do mercado se alcança a opulência, enquanto que para a preservação da liberdade o instrumento fundamental é a democracia." Depende da democracia, né? Se for uma em que as liberdades individuais são resguardadas pela lei e não são objeto de voto pela maioria, pode-se concordar com o que o Roberto Campos diz. Caso isso não aconteça - o que é mais provável e comum - o que impediria A de se juntar a B pra roubar ou matar C de forma "democrática"? "Conciliar o mercado, que é o voto econômico, com a democracia, que é o voto político, eis a grande tarefa da era pós-coletivista." Beleza, o problema é que ainda nem superamos a era coletivista, o Campos não viveu o suficiente pra testemunhar a ascensão do socialismo do século 21 através da democracia; ou os venezuelanos, bolivianos e equatorianos não votam? Votam sim, e segundo o Lula esses países "têm democracia até demais". "Sobrava confiança nos keynesianos dos anos 30 e 40 quanto à capacidade governamental de administrar o pleno emprego através da sintonia fina. Os desapontamentos viriam no pós-guerra, quando as políticas keynesianas, casualmente eficazes no combate à recessão, trouxeram prolongados períodos de pressão inflacionária." Se você se endivida pra construir uma ponte ligando o nada ao lugar nenhum, você pode até criar alguns empregos, mas esse gasto não vai ser eficiente e você vai ter agora uma dívida a pagar. Como o governo tem o poder de criar dinheiro do nada, ele tem todos os incentivos pra quitar ou rolar esse passivo através do aumento da base monetária, ou seja, inflação. "Somente nos anos 70, o keynesianismo, como doutrina, seria temporariamente desbancado pelo monetarismo." Temporariamente mesmo, porque as políticas econômicas dos principais países hoje em dia (incluindo os EUA) com seus "estímulos", endividamentos e inflação "pra gerar emprego" ainda são keynesianas. "John Kenneth Gailbraith nota, pitorescamente, que Hitler foi um predecessor pouco honorável do keynesianismo, utilizando maciçamente déficits orçamentários, a partir de 1933, para atenuar o desemprego." There you go, nacional-socialistas, o keynesianismo é uma teoria sem pé nem cabeça convenientemente usada por qualquer governo que não queira o mercado livre e queira controlar a economia sem estatizar completamente os meios de produção. "Apesar de se julgar uma secular meritocracia, o sistema de seleção para a carreira eclesiástica premia às vezes a mediocridade e o conformismo." Isso surpreende alguém ou as religiões se tornaram de repente amigas do inconformismo inovador? "Dirigida inicialmente por Ricardo Cravo Albim, a Embrafilme foi depois sujeita a grande descontinuidade administrativa, com suspeitas, periodicamente averiguadas, de malversação de fundos, através de alguns empréstimos descriteriosos a grupos privilegiados, quase todos, por sinal, cultores da temática do cinema novo." Não me diga... Esse pessoal queria "denunciar o sistema" usando o dinheiro do sistema a fundo perdido, claro. Fazem isso até hoje e não é surpresa a pressão gigantesca que um ministério (que nem deveria existir) como o da cultura sofre da "classe artística", por si só um sintoma de coletivismo; ou os artistas pensam todos da mesma maneira? "Minhas divergências com Gudin e Bulhões nos anos 50, muito comentadas na época, diminuíram rapidamente à medida que adquiri maturidade intelectual e experimentei desilusões quanto à eficácia do serviço público." Demorou, mas abalou. O serviço público simplesmente não tem os incentivos pra ser eficiente, porque os seus recursos são obtidos à força e a competição só acontece na hora das eleições, quando as pessoas podem então escolher qual das máfias - também conhecidas como partidos - vai ter acesso ao butim. "Cheguei mesmo - horresco referens - à tolice, que Gudin nunca me perdoou, de escrever o seguinte: 'As objeções de Hayek e Von Mises sobre a irracionalidade dos preços e de fatores nas economias planificadas teriam sido destruídas, em grande parte, pela análise de Barone, Taylor e Lange.' Nada disso aconteceu. Demoraria algum tempo, mas no fim das década de 80, com a queda do Muro de Berlim e o colapso do marxismo, verificou-se que as objeções dos liberais austríacos às economias planificadas, proferidas na década de 20, eram absolutamente válidas e incrivelmente proféticas." A lógica pode demorar, mas prevalece. O problema é que aquele papo de que "o que se aprende com a história é que não se aprende com a história" tem um fundo de verdade e não importa pra muita gente que o experimento socialista do século 20 tenha fracassado miseravelmente, a "superação do capital" continua na ordem intelectual do dia como um tema respeitável. "O máximo que se pode dizer é que Getúlio Vargas explorava um nacionalismo oportunista, antes que ideológico. Chamei-o de pragmático preconceituoso porque tinha uma visão falsa dos méritos relativos do investimento direto, em contraste com empréstimos e financiamentos." Os governantes querem o controle dos investimentos pra que os recursos passem pelas suas mãos e eles possam então fazer os seus negócios (malversações políticas ou monetárias). O lance é que muitas pessoas não enxergam nenhum problema nisso, só lamentam e criticam quando não são elas - ou a máfia a que pertencem - que controlam o processo. "Essa parte do pensamento de Vargas, que atribui os obstáculos ao desenvolvimento à ação das 'forças ocultas' foi depois acentuada por Leonel Brizola, que, por cerca de 30 anos, transformou as 'perdas internacionais' em bode explicativo do fracasso do desenvolvimento brasileiro." Cultuarem até hoje um socialista como o Brizola e um ditador como o Vargas mostra como o coletivismo ainda domina o debate nacional e ajuda a entender o vai-não-vai do Brasil rumo ao desenvolvimento. Vai, não vai, agora vai, não foi, fica pra próxima, quando "os outros" deixarem.