Thursday, April 07, 2011

Camelo e o "fundamentalismo materialista"

Antes de comentar a reportagem do O Globo com o Marcelo Camelo, devo dizer que gosto do Los Hermanos e das músicas dele junto com o Hurtmold, só que nada disso faz diferença pra discussão, a questão é de princípio. "O compositor acusa, no fundo dessas questões, o que chama de "fundamentalismo materialista". Um pensamento que sustentaria a reação ("De uma classe média dateniana, com um caráter denuncista escroto") à autorização dada pelo Ministério da Cultura para que o blog de poesia de Maria Bethânia captasse R$1,3 milhão." O valor é subjetivo, mas, nesse caso, o dinheiro é público. Não adianta evocar o Datena pra tentar desqualificar quem questiona essa política de escolher A em detrimento do resto do alfabeto. Qual o critério pro governo escolher A e não B, C ou D? Denunciar essa arbitrariedade não é "escroto", escroto é achar que o artista A tem direito ao dinheiro de todos, inclusive daqueles que não concordam com isso ou não gostam desse artista. "As pessoas entendem o valor de uma barra de ouro, mas não entendem o valor de Bethânia declamando poesia." Quem entender o valor de um blog de poesia da Bethânia pode, voluntariamente, colaborar financeiramente com ele. Quando se mete o governo no meio, esse aspecto voluntário desaparece, você vai ter que pagar mesmo que não queira. Ninguém é obrigado a dar valor ao ouro, todos são obrigados a dar valor aos escolhidos do MinC. "Da mesma forma, pensam que é justo baixar música de graça (...)" A única maneira de se cobrar pelo partilhamento de arquivos é controlando a internet, inclusive a troca de e-mails. A web é fluida demais pra isso funcionar, mas veja por outro lado: por causa dessa facilidade de acesso às músicas, mais pessoas passam a conhecer e gostar do trabalho do artista, que pode então ganhar dinheiro fazendo shows, por exemplo. "(...) não pagar direito autoral em baile de carnaval. Sem música do Braguinha você não faz baile!" Como é que se calcula isso? Uma banda de bloco ou baile toca "A cabeleira do Zezé" e passa a dever quanto pro João Roberto Kelly? Vai ter em todos os blocos e bailes um fiscal do Ecad anotando: "tocou duas do Braguinha por 10 minutos, 5 do Kelly por 20 minutos, etc"? Saíram uns mil blocos nesse último carnaval, tem fiscal suficiente pra controlar tudo isso? E quem vai pagar esses fiscais? E quem vai fiscalizar esses fiscais? Se eu assoviar a música da Rebecca Black pra fazer uma graça, eu vou estar devendo algo a ela? Se eu pegar o violão e tocar uma música do Camelo numa rodinha (é só uma hipótese), tenho que pagar direito autoral também? "O segurança ganha, o cara que vende confete ganha, só o autor, que dá sentido àquela festa, não ganha." Eu entendo que esse seja um debate complicado, mas fico curioso pra saber como vão fazer pra cobrar por cada música executada em cada festa que se faz no Brasil se mal conseguem fiscalizar o que se toca na rádio. "Nesse debate, estou à direita da direita. Se for questionar propriedade, questiono primeiro a da barra de ouro, um elemento químico que existe independentemente de nós." O ouro pode existir independentemente de nós, a barra de ouro não, é um processo longo e trabalhoso desde extrair o ouro da natureza até transformá-lo em barra. Você pode pegar uma barra de ouro, você não pode pegar uma música. A barra de ouro é tangível, a música não. O João Roberto Kelly pode continuar tocando as suas marchinhas mesmo quando outras pessoas as executam, o dono de uma barra de ouro não pode mais usufruí-la se alguém roubá-la. O ouro é escasso, a capacidade de se executar uma música - ainda mais na era digital - não. Agora, se você quiser que o próprio João Roberto Kelly execute as suas próprias músicas, ele tem todo o direito de cobrar e você tem todo o direito de pagar ou não. O caso Bethânia não deixa escolha: o MinC já decidiu e você tem que pagar mesmo que não queira. O valor é subjetivo, mas, nesse caso, o dinheiro é público e isso faz toda diferença. (http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2011/04/06/marcelo-camelo-lanca-disco-elogia-sao-paulo-se-diz-direita-da-direita-na-questao-dos-direitos-autorais-924176443.asp)