Tuesday, May 12, 2009

Fábio Leopoldino Maia

Conheci o Second Come bem no seu início e era uma banda tão boa quanto as melhores lá de fora. Era emocionante perceber que conterrâneos podiam fazer aquilo. Eu não me identificava com nada do rock brasileiro e eis que surge o You e todos aqueles hits enfileirados. Os shows também eram sensacionais, "distorcido e melodioso", como ele gostava de lembrar. Depois o Second Come acabou e lá pelas tantas de 1995 me cai nas mãos a primeira demo (era como a gente dizia na época) do Stellar. Se chamava Thrumming Soothingly e amei aquilo de cara. Escutei aquela fitinha sem parar e cheguei a criar um fanzine com o Bruno Montalvão, hoje empresário do Vanguart, somente pra publicar a resenha que escrevi sobre aquela maravilha com 3 guitarras, 3 vozes e percussão. As pessoas precisavam conhecer aquilo! É uma jóia que pode ser ouvida aqui: (http://mmrecords.com.br/200705/stellar/). Eu já era familiarizado com o pessoal porque trabalhava na Spider, que vendia CDs importados e era um ponto de encontro do mundinho indie. Lá teve inclusive um pocket show do Second Come que encheu bastante. Eu via "aquele povo de Niterói" (como eu os chamava) e pensava que, óbvio, eles deviam ser meus amigos. Não só me tornei amigo como em 1997 me chamaram pra tocar com eles. Mesmo não tendo nenhuma segurança como músico, era o tipo de coisa impossível de recusar. Me sentia intimidado pelo grande Fábio e aqueles camaradas que realizaram aquela - não tenho receio de dizer - obra-prima. Mas lá estava eu, convivendo com aquelas figuras. A técnica não era mesmo tão importante, ele se juntou com "aquele povo de Niterói" por causa das suas afinidades: ouviam o mesmo tipo de música, gostavam dos mesmos filmes e todos tinham alguma tendência, ahn, como direi, artística. Como eu trabalhava no estúdio Freezer dos caras da PELVs (um dia falo mais deles), gravar um disco não era tão complicado. Nos trancamos ali e em total improviso fizemos o Transmigrations. Hoje eu adoro esse CD, mas na época fiquei angustiado: "Nego não vai entender essa parada e vão falar que o Stellar ficou caído por minha causa". Haha! Ele, ao contrário, estava empolgadíssimo com aquilo, chegando a dizer que "era a melhor coisa" que já tinha gravado. Era meio misterioso com algumas coisas e de vez em quando surpreendia com declarações desse tipo. Então a gente tinha aquele grupo de pessoas - designers, escritores, músicos e fotógrafos - e o Fábio ficava colocando diversas pilhas: queria fazer uma revista, um site, um portal, um jogo de tabuleiro e o que quer que desse na sua telha criativa. Era mesmo uma usina. Pintava pra caramba, escrevia contos, fazia animações e calculou a numerologia de todos nós. Tudo com uma energia verdadeiramente generosa, que instigava a gente a criar constantemente. Era como um irmão mais velho e mais sábio. Quando o Lariú chamou o Stellar pra abrir pro Stereolab, rolou uma certa tensão, porque ele não queria tocar as músicas, queria subir no palco e simplesmente improvisar. Era uma idéia corajosa, mas nós - inseguros e imaginando que as pessoas fossem gostar de ouvir aquelas músicas que, afinal de contas, eram tão boas - o convencemos a ensaiar (a quanto custo!) e tocar aquelas coisas mais "tradicionais". Ele cedeu, mas nem tanto. Quando o Tom Leão quis fazer uma foto e uma matéria no O Globo com a gente sobre o show, ele simplesmente não apareceu na sessão. "Tô muito velho pra isso", ele sempre dizia quando algo não o agradava. Então nas pouquíssimas vezes em que o Stellar se apresentou ao vivo, ele tocava e meio que saía correndo quando a coisa acabava. Isso me deixava bolado, "o cara podia ficar um pouco mais, as pessoas o admiram tanto...", mas logo cedo no dia seguinte ele me ligava perguntando o que o povo tinha achado. A falta de grana o angustiava, mas nunca choramingou, tinha orgulho e dignidade demais pra isso. Gravamos então o Ultramar, onde ele mais uma vez comandou ao mesmo tempo em que estimulava os outros a participarem e darem o seu toque. Foi uma época difícil porque o estúdio tinha poucos horários, mas de boa memória, muitas madrugadas fazendo maluquices sonoras. Algumas coisas volta e meia o deixavam insatisfeito e ele meio que "saía" da banda. Numa dessas em que quis fazer um disco solo, ele me chamou pra ajudar e fizemos 2 CDs como Polystyrene. Era uma doideira, mas tinha pelo menos um hit potencial com aquele toque clássico dele chamado Gravity. Eu mesmo pego o violão às vezes e me vejo, sem perceber, tentando emular aquela simplicidade melodiosa que ele criava com tanta facilidade. Foi mesmo um privilégio tremendo conviver com ele. Nos últimos 2 anos ele deu a impressão de ter se exilado voluntariamente, eu bem que tentei fazer ele vir pro Rio gravar alguma coisa comigo, mas o homem estava longe. Meu primeiro grande amigo a morrer. E eu tinha acabado de comentar com a Beatriz que alguma coisa me dizia que o Fábio estava prestes a aparecer novamente. Apareceu, ou desapareceu. O que ele produziu permanece como prova da sua passagem por aqui. Why, explain to me. Why, explain to me. Hope you are ok, hope you are ok. (http://mmrecords.com.br/200905/second-come/).

4 comments:

Ricardo Cury said...

Emocionante, Sol.
Não conhecia o cara pessoalmente, mas o admirava muito.
Reconfortante ler sobre ele, principalmente por alguém que conviveu tão próximo.
Abraço.

Além dos Números said...

nem sei o que dizer

olavo said...

descobri seu blog e saí te seguindo por aí (enseada, stellar), mas nada de psicopata!

o stellar acho muito bom! nas eras do meio dos 90's já infinitos passos à frente de gente que se concentra apenas em elementos estéticos desse tipo de som, hoje em dia. mas sempre há coisas boas por aí, só não pude deixar a crítica de lado!

abraços e tudo de bom nesses tempos de reflexão.

transe said...

Muito bonito o texto!

não o conhece pessoalmente mais cheguei a trocar uns e-mails com ele apartir do final do ano passado e ele foi super gente fina comigo e alias até me passou umas letras d Second Come pois eu tinha dito que gravaria uma cover ....

Lembro de ter visto o Stellar ao vivo num festival da Midsummer no Teatro Odiseia, no fim do show eu fui atras dele pra me apresentar e eu só vi ele indo embora.....
relamente ficquei muito triste com a morte dele, o Second Come é uma das minhas bandas preferidas desde os 16

Vá em paz Fábio...