Tuesday, March 17, 2009

Falando com Löis Lancaster

"Quanto à minha visão, eu diria que sou keynesiano. Acho que a cupidez do ser humano deve ser 'peitada' em algum nível. Se a ambição é natural, a luta contra ela é tão antiga quanto. Deus, o Estado, a Corporação, a Padaria da Esquina, a Família, o Sujeito são ficções necessárias para o controle do mundo, mas nada têm a ver com o CONHECIMENTO do mundo."

É justamente o poder de controle do governo em atividades privadas e voluntárias que eu combato.

"E o capitalismo é todo baseado na fixação e no controle absoluto."

Muito pelo contrário. O capitalismo, não o corporativismo vigente, é uma ordem espontânea, natural. É o que acontece quando as pessoas são livres pra perseguir os seus próprios objetivos, arcando com as conseqüências dos seus atos. Liberdade e responsabilidade.

"Eis porque acho que os comerciantes deveriam ser mal vistos. Deveriam ser alvo de preconceito e lapidação; afinal, é tão óbvio que o comerciante não se importa com você, só com o seu dinheiro! A loja diz que põe as mercadirias em "promoção" e marcam no preço "9,99". Se o seu amigo pega seu carro emprestado, espicaça com ele e diz que deu uma "batidinha", você pode confiar nessa pessoa?"

Mas Löis, o comerciante, se quiser prosperar e permanecer no negócio, vai ter todo o interesse em agradar o seu cliente. Você volta pra uma loja onde foi mal atendido? Volta a comer num restaurante que te deu uma indigestão? A competição faz os serviços melhorarem naturalmente.

"Você pode retrucar que não vivemos sem comerciantes. Também não vivemos sem prostitutas, e olha como elas são tratadas. Como os comerciantes deveriam ser. Já dizia JC: "tem de vir o escândalo, mais ai daquele por intermédio de quem vier o escândalo"."

Eu não trato mal prostitutas e nem acho que comerciantes e prostitutas são diferentes, na medida em que ambos oferecem um serviço demandado pelas pessoas. Você tem raiva do cara que te vende um, sei lá, baixo? Você queria um baixo, ele queria vender um baixo e os dois entraram num acordo de forma voluntária, sem nenhuma coerção. Qual o problema com esse processo?

"O capitalista quer o meu dinheiro, não quer ser afetado pela minha alma criadora e ctítica. Se não quer minha alma, quer a minha morte. E eu quero a morte de quem quer a minha morte."

Como é que o vendedor da Show Point quer a sua morte? Ele só quer que você compre o baixo que você mesmo quer comprar. Os interesses se encontram e as duas partes ficam satisfeitas. Se não ficassem, por que fariam a troca? O liberalismo deixa as pessoas livres pra se expressarem da maneira que quiser, contanto que não invadam o espaço dos outros. Eu e você somos livres pra exercer a nossa criatividade (não exercemos?), só não podemos impô-la à força e nem temos a garantia de que vamos conseguir viver disso. Isso depende do valor que os outros vão dar pro nosso trabalho. Qual seria a alternativa? Um planejamento central no estilo soviético?

"E outra: acho que você está sendo ingênuo por achar que a livre iniciativa não comanda a política: sempre comandou, mesmo nas ditaduras de direita ou esquerda. Querer que esse esquema funcione às claras é não compreendê-lo em seu cerne. Corruptos e empresários liberais pertencem ao mesmo time."

Löis, o meu discurso é todo nesse sentido, de acabar com o conluio entre governo e empresas. Mas como é que se vai acabar com isso com as pessoas pedindo pro governo controlar tudo? Só vai aumentar essa simbiose até o sistema entrar em colapso como entrou agora. A realidade, cedo ou tarde, se impõe. "Empresários liberais" são uma raridade. Eles querem o estado protegendo os seus negócios da concorrência. O sistema é uma joint venture entre os políticos e os seus bróders do setor privado. Como eu disse, o estado tem que se separar da economia, como se separou da religião.

"Por outro lado, concordo com você sobre as questões de coitadinhos com cotas. Um regime de exceção não se anula com mais exceções. Também concordo que todo mundo deveria ser mais adulto. É isso, companheiro. Acho que devíamos criar o "Underground Connection" aqui na web, hehehe""

Adoraria isso. Anos atrás, escrevi um textinho falando de um projeto pra um programa de TV: "DINÂMICA UNDERGROUND". O Rodrigo Lariú daria um ótimo Lucas Mendes. Vou botar pilha num cara que eu conheço que trabalha no Canal Brasil. Honrado com a sua presença. Ab

5 comments:

Anonymous said...

Caro Sol:
Em contaposição a isso que você chama de "ordem espontânea e natural", eu acredito no princípio da causa eficiente (em contraposição à causa mecânica e à causa final). Pelo princípio da causa eficiente, tudo que acontece é natural., não aconteceria se não fosse. Como o capitalismo, o corporativismo é natural, e a resistência ao capitalismo são naturais. Portanto, ser "natural" não é um bom critério para definir uma ética.
Mas eu compreendo porque você acredita que é. Você tem fé numa causa final, fé em que há um crivo transcendental para determinar boas e más ações. Esse crivo seria a racionalidade, na figura do Senso Comum e do Bom Senso. As pessoas seriam livres quando sua responsabilidade as ensinasse a conviver racionalmente com os outros.
Repare que eu digo FÉ. Provavelmente você acha que isso não tem nada a ver com religiosidade, mas tem. Resumindo, você tem fé na consciência. Concordo quando diz que é iluminista. Quanto a mim, não posso acreditar na consciência depois de Marx, Nietzsche e Freud.
O pensamento é empurrado, ele não é atributo de uma consciência toda-poderosa que lança mão dele quando bem entende. Essa consciência é um dos finais - e um beco sem saída - de uma longa sequência de relações, das quais ela só capta uma mínima parte. E diz que essa parte somos NÓS. E a consciência não se dá bem com a mudança nem com o acaso, que são a essência do tempo. Por isso cria a ilusão de que há coisas eternas - externas, como as leis da natureza e internas, como a alma imortal.
O conhecimento que a consciência preconiza é baseado nessa ilusão de permanência, e puramente utiliário. Bergson vai mostrar que essa ilusão é necessária ao homem para AGIR sobre o mundo, mas de nada vale para realmente COMPREENDÊ-LO.
Aqui eu o convido a ler "O Pensamento e o Movente", que explora profundamente várias provas disso que acabei de citar. Não vou me demorar nesse ponto para não me estender demais. O que se segue disso é que a consciência é baseada na utopia da fixação e do controle absoluto. Ela não consegue lidar bem com a mudança nem com o acaso. E eu entendo o capitalismo como uma decorrência da consciência na sua luta por dominar o mundo para agir sobre ele em proveito próprio. O corporativismo segue pelo mesmo caminho.

"Mas Lois, o comerciante, se quiser prosperar e permanecer no negócio, vai ter todo o interesse em agradar o seu cliente. Você volta pra uma loja onde foi mal atendido? Volta a comer num restaurante que te deu uma indigestão? A competição faz os serviços melhorarem naturalmente."
Aprofundemos o que você quer dizer com "agradar": o comerciante, se quiser prosperar e permanecer no negócio, vai ter interesse em ILUDIR o cliente, gastando o mínimo necessário para que ele ACHE que recebeu o máximo. Isso se chama Gestão: o máximo de clientela com o mínimo de esforço. Prolongando essa equação, temos a situação ideal para o comerciante, qual seja: nem a ilusão se salva, porque o cliente TEM de comprar naquela loja quando não há nenhuma outra. Você tem todos os clientes sem esforço nenhum. Por isso o corporativismo é a consequência lógica do capitalismo. O contrário (prolongando a equação ao extremo oposto) é que seria o paraíso do cliente: a gratuidade - o esforço máximo do comerciante para o cliente receber a mercadoria DE GRAÇA. Em sua casa, ainda por cima.
"Eu não trato mal prostitutas e nem acho que comerciantes e prostitutas são diferentes, na medida em que ambos oferecem um serviço demandado pelas pessoas. Você tem raiva do cara que te vende um, sei lá, baixo? Você queria um baixo, ele queria vender um baixo e os dois entraram num acordo de forma voluntária, sem nenhuma coerção. Qual o problema com esse processo?"
Nem eu trato mal prostitutas. Nem os comerciantes. (Aí entra uma questão: quem são comerciantes, as prostitutas ou os cafetões?) Apenas os trato como eles me tratam: sabendo que eles não dão a mínima pra mim, não me iludo com essa história de "o cliente tem sempre razão" e coisas do gênero. Trato eles na ponta da faca. E rio quando eles se dão mal, é mais uma fonte de alegria inocente e pura nesse mundo. Adorei ver a "Casa e Video" agonizando como uma barata no DDT. É como assistir ao show de minha banda preferida.
Você não comentou meu exemplo do 9,99, mas vou comentar o seu da loja de instrumentos.
Como eu disse anteriormente, a consciência não é a pessoa. É uma parte muito pequena dela. Assim, não vou te dizer que o comerciante é a pessoa, mas um modo de agir. Todo mundo encarna modos de agir - é pai numa situação, amigo na outra, filho em outra, patrão, empregado... então. Partindo desse pressuposto, há uma parte do comerciante que não é regido pela consciência. Essa parte, emotiva, intuitiva, artística e criadora, não merece meu preconceito.
No calor do momento, fui muito genérico e caricato quando falei do preconceito aos comerciantes. Me corrijo dizendo que o que deve ser mal visto são as práticas comerciantes das pessoas. E há pessoas que não são perfeitas como comerciantes. O sentimento, a emoção e a intuição interferem na inteligência e no utilitarismo, fazendo com que elas não prosperem em sua profissão, criando trustes e cartéis e ficando arquimilionários. Em suma, são seres humanos comuns, regidos pelo senso comum: são tão inteligentes quanto emotivos.
O seu "de forma voluntária, sem nenhuma coerção" não dá conta desses seres humanos complexos. E a coerção do inconsciente? Da gestalt? Do acaso? Toda vontade parte de forças insondáveis do meio do caos. Há todo um lado da pessoa que não é regido pela consciência, nem afetado pela ânsia de dominar em proveito próprio.
Da pessoa enquanto ela não é comerciante - o cara que vende instrumentos geralmente entende de instrumentos, logo deve gostar de música, talvez até toque um instrumento - dessa parte eu não desgosto, e tenho até uma certa simpatia pelo cara estar conseguindo driblar a necessidade de vender algo, lidando com um ramo de que gosta. O problema é essa necessidade. Eu queria estar tocando com esse cara, ou falando de música com ele, e sabendo que ele está falando comigo porque gosta da conversa, e não porque quer me vender alguma coisa. São duas visões opostas, percebe? O formato "banda" de interação é basicamente anti-comercial: as pessoas se reúnem para tocar, se um não pode pagar o ensaio os outros pagam, o importante é o prazer de estar criando algo em conjunto. Se esse prazer é cooptado pelo prazer individual de virar um popstar, aí já é outro departamento.
Mas o lado de comprar e vender, esse lado quer que eu haja conforme o figurino. Por exemplo, quanto menos eu ficar jogando conversa fora depois de já ter comprado, melhor para o comerciante que existe nessa pessoa. Por isso eu só converso com o vendedor DEPOIS que comprei a mercadoria - aí eu sei se ele é um bom sujeito ou não, se o que está predominante nele naquele momento quer a minha vida ou a minha morte.
Grande abraço e longa vida às diferenças,
Löis.

Anonymous said...

Rs... Sol, acho que você conhece o Melvin, não? Parece-me que seria interessante colocá-lo num "Underground Connection" desses.

Abs,

sol_moras_segabinaze said...

Jogo bola com o Melvin todas as segundas. Boa dica, Igor. Vamos amadurecer essa idéia. Ab

sol_moras_segabinaze said...

Legal, Lois. Amanhã eu tento responder.

Anonymous said...

Aliás, desculpe os erros de falta de revisão que cometi. Escrevi isso no trabalho, driblando a vigilância de minha chefe - uma comerciante, diga-se de passagrm ;)