Friday, February 01, 2008

O ZEITGEIST MORAL


Este capítulo começou mostrando que nós — mesmo os religiosos — não baseamos nossa moralidade em livros sagrados, não importa no que acreditemos. Como, então, decidimos o que é certo e o que é errado? Independentemente de como respondamos a essa pergunta, existe um consenso sobre o que consideramos ser certo e errado: um consenso que prevalece de uma forma surpreendentemente disseminada. O consenso não tem nenhuma conexão evidente com a religião. Ele se estende, no entanto, a pessoas religiosas, pensem elas ou não que seus princípios morais vêm das Escrituras. Com as notáveis exceções do Talibã afegão e do cristianismo americano equivalente, a maioria das pessoas repete o mesmo consenso liberal e amplo de princípios éticos.
A maioria de nós não provoca sofrimento desnecessário; acreditamos na liberdade de expressão e a protegemos mesmo quando discordamos do que está sendo dito; pagamos nossos impostos; não traímos, não matamos, não cometemos incesto, não fazemos aos outros o que não queremos que façam conosco. Alguns desses bons princípios podem ser encontrados em livros sagrados, mas enterrados junto com um monte de coisa que nenhuma pessoa decente gostaria de seguir: e os livros sagrados não fornecem regras para distinguir os bons princípios dos ruins. Uma forma de expressar nossa ética consensual é na forma de "Novos Dez Mandamentos". Várias pessoas e instituições já tentaram fazer isso. O significativo é que eles tendem a produzir resultados bastante semelhantes entre si, e o que eles produzem é típico dos tempos em que vivem. Veja um conjunto de "Novos Dez Mandamentos" de hoje em dia, que encontrei por acaso numa página pró-ateísmo na internet:
• Não faça aos outros o que não quer que façam com você.
• Em todas as coisas, faça de tudo para não provocar o mal.
• Trate os outros seres humanos, as outras criaturas e o mundo em geral com amor, honestidade, fidelidade e respeito.
• Não ignore o mal nem evite administrar a justiça, mas sempre esteja disposto a perdoar erros que tenham sido reconhecidos por livre e espontânea vontade e lamentados com honestidade.
• Viva a vida com um sentimento de alegria e deslumbramento.
• Sempre tente aprender algo de novo.
• Ponha todas as coisas à prova; sempre compare suas idéias com os fatos, e esteja disposto a descartar mesmo a crença mais cara se ela não se adequar a eles.
• Jamais se autocensure ou fuja da dissidência; sempre respeite o direito dos outros de discordar de você.
Crie opiniões independentes com base em seu próprio raciocínio e em sua experiência; não se permita ser dirigido pelos outros.
• Questione tudo.
Essa pequena coleção não é obra de um grande sábio, ou profeta, ou de um profissional da ética. É só a tentativa simpática de um blogger de resumir os princípios de uma vida de bem hoje em dia, em comparação com os Dez Mandamentos bíblicos. Foi a primeira lista que encontrei quando escrevi "Novos Dez Mandamentos" num programa de busca, e deliberadamente não procurei mais que isso. O que interessa é que esse é o tipo de lista que qualquer pessoa decente comum elaboraria. Nem todo mundo faria exatamente a mesma lista. O filósofo John Rawls pode incluir alguma coisa do tipo: "Sempre crie suas normas como se não soubesse se está no topo ou no ponto mais baixo da hierarquia". Um suposto sistema inuíte para dividir a comida é um exemplo prático do princípio de Rawls: quem corta a comida é o último a escolher o pedaço.
Nos meus Dez Mandamentos emendados, escolheria alguns dos listados acima, mas também tentaria achar espaço para, entre outros:
• Aproveite sua própria vida sexual (desde que ela não prejudique outras pessoas) e deixe que os outros aproveitem a deles em particular, sejam quais forem as inclinações deles, que não lhe interessam.
Não discrimine nem oprima com base no sexo, na raça ou (sempre que possível) na espécie.
• Não doutrine seus filhos. Ensine-os a pensar por si mesmos, a avaliar as provas e a discordar de você.
• Leve em consideração um futuro numa escala de tempo maior que a sua.

Capítulo do "Deus, um delírio", do Richard Dawkins.

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