por Guy Sorman
No mundo real, hoje, não há alternativa à combinação entre o livre mercado com democracia. Para deixar isso mais claro, chamarei essa associação de liberalismo.
O que é liberalismo?
Isso precisa ficar claro desde logo, já que a palavra liberal assume conotações diversas em diferentes idiomas. Na França, é um conceito econômico. Nos Estados Unidos, significa esquerdista. Na América Latina é atribuída à direita. No México, algumas vezes, anti-clerical.
Minha definição pessoal enraíza-se na filosofia iluminista do século 18: liberalismo como liberdade individual+democracia+livre mercado. Como Fukuyama, considero que o liberalismo - ou liberalismo clássico, se preferirem - é o fim da história. Por isso, pretendemos dizer que não há alternativa válida ao liberalismo clássico.
O fim da história
Todos estão conscientes disso, inclusive os inimigos do liberalismo. Hoje, eles não propõem mais nada em seu lugar; apenas fazem oposição ao liberalismo sem oferecer outras opções.
Alguns vêem com agrado esse fim da história, outros não. Alguns sentem nostalgia do socialismo, mas não sabem como reformulá-lo: há o caminho da ecologia, mas talvez isso fosse uma volta à interferência do Estado em nome da natureza. Mas não chega a ser uma ideologia, como o socialismo realmente foi.
É verdade que alguns empreendedores preferem um livre mercado sem democracia; na outra ponta, os chamados empreendedores políticos tendem em favor de uma democracia com menos mercado, sendo a política mais compensadora para eles que o mercado. E cada corrente segue sua própria lógica.
Para além desses interesses pessoais dentro do liberalismo, é menos fundamental hoje discutir a legitimidade e os méritos do sistema, do que administrar simultaneamente o mercado e democracia. Por que os norte-americanos fazem isso mais facilmente que os franceses e os brasileiros?
Democracia nos Estados Unidos, França e Brasil
A administração do liberalismo, por razões históricas e culturais, é relativamente mais fácil nos Estados Unidos. Nos EUA, democracia e mercado existiam antes mesmo da criação do Estado: a legitimidade do liberalismo ali, então, está acima de qualquer suspeita. Entre alguns círculos marginais, a imensa maioria sabe que liberalismo funciona. No Brasil, como na França, o Estado chegou antes. Quando a democracia emergiu, não foi tanto para dar poder ao povo, mas para substituir uma elite por outra, supostamente mais eficaz. Democracia, em ambos os casos, foi uma forma de se livrar de uma antiga monarquia e construir em seu lugar um despotismo esclarecido; o povo foi mantido à parte e, em sua maioria, não teve direito ao voto até a metade do século 20.
A tentação do despotismo esclarecido
Por razões que você não encontra nos Estados Unidos, a Igreja Católica e a tradição aristocrática foram reticentes à democracia. Na França e no Brasil, os representantes da Igreja, assim como a aristocracia, não eram simpáticos à democracia - o que ocorreu até os anos 1960. Aliando-se ou competindo, as elites religiosas e seculares (na tradição de Auguste Comte) sabiam ou imaginavam saber o que era bom para o povo.
Na França, perdemos as elites clericais e aristocráticas há muito tempo, mas elas foram substituídas pela tecnocracia. Na França, os tecnocratas sabem ou pensam que sabem mais que o povo: no tempo de De Gaulle, éramos governados por uma tecnocracia com apoio popular - o que parecia o melhor dos mundos -, até que este sistema ruiu em 1968, quando as pessoas se cansaram desse regime autoritário. No entanto, ainda hoje muitos anseiam por um líder iluminado. E é claro que ele não existe.
No caso do Brasil e da América Latina, não preciso explicar muito: caudilhismo é o outro nome para despotismo esclarecido.Tudo isso é impossível de se imaginar nos Estados Unidos: os americanos, de fato, não esperam muito de seus líderes. Eles percebem a democracia como uma forma de limitar o despotismo, não como uma forma de resolver seus problemas: a prioridade é o equilíbrio de poder nos EUA, não a eficiência. O povo americano sabe que seu governo não é tão eficiente.
Além dessa história diferente, resta ainda alguma razão para despotismo esclarecido, um governo forte em vez de um governo democrático? Não: despotismo esclarecido foi tentado muitas vezes no Brasil (Vargas, regime militar), mas não funcionou, por quatro razões:
- Déspotas raramente são esclarecidos.
- Se o são, não permanecem assim por muito tempo.
- Onde encontramos um déspota esclarecido?
- Como nos livramos deles?
A democracia, ao contrário, é uma solução para esses dilemas: não escolhe os melhores líderes (o que quer que isso seja), mas limita o despotismo e o alcance da violência política.
Karl Popper diz que a virtude seminal da democracia é a possibilidade de se livrar dos dirigentes sem derramamento de sangue.
A regra do jogo: democracia de massa
Hoje vivemos em um irreversível regime de democracia de massa: é baseada em comunicação de massa e votos. Temos que defender ambos.Também irreversíveis são os anseios de crescimento e redistribuição. As pessoas querem ambas as coisas e já.
Empreendedores políticos não têm escolha; eles têm de prometer ambas as coisas e tentar realizá-las. Se você cumpre a parte de crescimento sem redistribuição, como Menem (Carlos Menem, expresidente da Argentina) ou Toledo (presidente do Peru), você perde. Esta é a regra do jogo e perseguir um debate ideológico com essas premissas não leva a nada. Em vez de debate ideológico, devemos focar na administração e na comunicação.
Como se convence as pessoas, os meios de comunicação e os empreendedores políticos de que o livre mercado cria riqueza e permite sua redistribuição? Como superar o ceticismo a respeito? Para além da crise do liberalismo, três propostas para o Brasil:
1 - Em uma sociedade não-igualitária como o Brasil, crescimento não é o suficiente. É necessário acelerar o processo de redistribuição. Isso pode ser implementado pela desregulamentação e o micro-crédito que aumentem o número de empreendedores e até gere um “capitalismo descalço”. Esta é a forma de reduzir a dependência e a desigualdade em torno das oligarquias e em direção ao estado de bem-estar social. Capitalismo descalço é a resposta à maré ascendente do populismo;
2 - Liberalismo não deve ser confundido com direitismo. Por causa da vitória das idéias liberais, governos esquerdistas não recorrem mais às soluções socialistas: é o caso do Chile. No Brasil, Lula não aplicou seu programa de governo: os conceitos de nacionalização e manipulação da moeda foram abandonados. O inimigo não é a esquerda, é o populismo, uma variante do fascismo como a de Chávez e Castro (Fidel, presidente de Cuba) ou o presidente boliviano.
3 - É melhor defender sua causa. Liberais não são membros da classe parlamentar, mas devem unir-se a ela. É um dever ético defender o liberalismo, é ético tornar-se um militante da causa. Fundações podem ter um papel seminal em reunir acadêmicos e empreendedores. Este é o foro para se trazer uma nova visão de liberalismo e vendê-la.
http://www.dcomercio.com.br/especiais/digesto/04.htm
Friday, February 22, 2008
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