Trilha sonora western-spaghetti:
forasteiro amoral chega no povoado, entra no bar, encara os caubóis, bebe um trago, joga um carteado, perde, não paga, é desafiado num duelo - vence, mata, arrepende-se, a_moral desperta - "que tipo de pessoa sou eu?" - se toca, desmonta, chora de babar / afoga as mágoas com whisky barato até o xerife chegar
O uso da razão é o suficiente? Sabe-se que roubar é errado. Propriedade. Que escravizar é errado. Liberdade. Que matar é errado. Vida. Parece simples, mas vai explicar a origem do Universo... Complicado, a não ser que você seja um criacionista, giuliano gemma, também conhecido no velho-oeste como gegê das quebradas, reza desesperadamente aflito pela sua alma penada vagando solitária no domínio sulfúrico do coisa-ruim - a imagem não é bonita, mas como salvar a alma do arrependido gegê? esse esforço de purificação espiritual está registrado em "confesso que pequei" - título da autobiografia que mister gemma prepara enquanto aguarda a sua execução na forca, sentença decidida em rito sumário pelo xerife-ateu, um tipo bem incomum naquela época
Então beleza, posso redimir meus pecados confessando e pagando penitência. Equivale a um exame de consciência. Por favor religiosos, qualquer coisa me corrijam. O problema é: quais são esses pecados? Quem os define? Jesus era mesmo filho de deus com uma virgem? Deus? É possível conciliar fé e razão? Não sei, mas desde que se tocou de suas maldades, gegê das quebradas vem tendo altos insights sobre o karma premia quem faz o bem e pune quem faz o mal - aí o relativista exclama: "karma maniqueísta!!" parece com "calma maquinista!! menos carvão aí nesse forno que o trem desembestado assim não vai conseguir parar na próxima estação" desembarca o capelão vai dar a extrema-unção em gegê, nessa altura já uma pequena celebridade por conta de seu best-seller autobiográfico
Não há dúvida quanto à contribuição das religiões cristãs no arcabouço moral da civilização ocidental. Os religiosos, por outro lado, também hão de convir que intolerâncias dogmáticas aconteceram e ainda acontecem - são humanos - e que a própria Bíblia tem passagens contraditórias e subjetivas que dão margem a várias interpretações conflitantes. "Aí entra o livre-arbítrio". Ou seja, no fim das contas, a compreensão da realidade objetiva fica mesmo a cargo do indivíduo, com suas limitações e circunstâncias, gegê causou um imenso estrago por onde passou, cobiçando a mulher alheia, se embriagando, cafetinando, trapaceando, escalpelando e engatilhando o seu revólver prateado sempre que era contrariado - resumindo: o homem era uma praga de gafanhotos invade repentinamente o povoado do xerife-ateu declara imediato estado de emergência, já que, por falta de plantações no árido faroeste, os insetos famintos estão atacando os habitantes em polvorosa, sobrando inclusive pro capelão, que escapa entocando-se na própria batina
Então me parece razoável admitir que o indivíduo pode sim construir uma base sólida de valores assentado apenas na razão, sem a necessidade de um deus arbitrando. O ruído na comunicação entre ateus e religiosos é previsível e acontece sempre que os descrentes questionam a veracidade das histórias fantásticas que servem como base, por exemplo, do cristianismo. "São metáforas, ignorante arrogante!!" Os religiosos então contra-atacam, alegando que a vida sem uma explicação metafísica é "vazia" ou "sem sentido". "O sentido da vida é a vida!!"
Vamos combinar então / essa questão não tem solução.
infestada de gafanhotos e com giuliano gemma trancado sozinho na cela, o povoado - outrora pujante cenário de filmes italianos de bang-bang - está agora vazio / fantasma, a última vítima de gegê das quebradas vem do além cobrar a sua dívida mortal com o bandoleiro sinceramente arrependido, que pede perdão de joelhos tanto ao ectoplasma quanto a deus, que faz um trato com o fantasma-carrasco: "poupe a vida de gegê que eu te levo direto ao paraíso, sem intermediários" - o fantasma assente com a cabeça e - ato contínuo - deus dispersa os gafanhotos com um sopro, abre a cela de gegê das quebradas com o pensamento e faz correr os créditos: the end
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