Garantir uma renda mínima para todos me parecia uma boa idéia quando eu tinha os meus 20 anos. Claro, há riqueza o suficiente no mundo e basta o governo tirar dos mais ricos e dar pros mais pobres pra justiça social se realizar na Terra. Nada de comunismo, socialismo, nenhum radicalismo do tipo, apenas a boa e velha social-democracia, o caminho do meio entre a liberdade de mercado e o planejamento de estado comandado por políticos benevolentes e compassivos - "só temos que votar nas pessoas certas, gente." Então a internet apareceu e o meu horizonte - que antes se resumia, fora do ambiente familiar, ao sistema educacional e aos poucos jornais e canais de TV - se expandiu tremendamente. Eu não podia mais adocicar a história do socialismo, não tinha mais o direito de ignorar os conceitos que os ministros da Fazenda do Brasil disfarçavam com o economês trololó, não podia mais engolir o enredo da Revolução Industrial malvada que tirou os ingleses das suas existências idílicas no campo pra enfiá-los (aparentemente à força) em fábricas alienadoras e exploradoras. Não, um mundo novo de informação se abria pra mim e eu não podia permanecer confortável na minha ignorância orgulhosa, eu tinha que escarafunchar a Grande Rede pra formar uma opinião mais consistente com a realidade. Havia, entre a verdade e o que me era apresentado como a verdade, um vão gigantesco que eu devia preencher cruzando dados e fatos, era apenas uma questão de querer realmente entender, os meios estavam todos à minha disposição. Então, depois de anos estudando e jogando fora todo o papo furado, cheguei à seguinte conclusão: a diferença entre o welfare state e a sua falência é uma questão de tempo. Essa constatação não é meramente pragmática, porque também me parece claro que é fundamentalmente errado tirar de A pra dar pra B, com o governo e os seus agentes retendo uma boa parte dessa pilhagem. E mesmo supondo que conceitos como o contrato social ou o consentimento dos governados sejam válidos (não são), ainda assim o welfare state continua não sendo - pra usar uma palavra da moda - sustentável no longo prazo. Dessa sustentabilidade ninguém fala... Se a pessoa vai receber uma renda - tirada à força dos outros - simplesmente pelo fato de existir, surgem alguns problemas. Primeiro, a deterioração da estrutura familiar. Na Inglaterra, por exemplo, as mães solteiras são subsidiadas pelo governo e o que é subsidiado tende a aumentar, é uma questão lógica de incentivos. Com mais mães solteiras, mais jovens soltos por aí sem uma base familiar sólida, se agarrando então a outros jovens sem perspectiva, numa espécie de tribalismo urbano. Isso também cria um ressentimento mútuo entre as pessoas que pagam e as que recebem os subsídios, potencializando sentimentos como o nacionalismo e a xenofobia. Se essa ajuda governamental não existisse, as pessoas teriam que ser mais responsáveis pelas suas escolhas (inclusive sexuais) e teriam que confiar mais nas suas famílias e amigos como suportes em momentos de dificuldade, teriam que agir de forma que, caso precisassem, as pessoas mais próximas estariam dispostas a - voluntariamente - ajudá-las. Se ela vai receber um cheque do governo no final do mês independentemente do que faça, a tendência é a desintegração gradual desses laços. Óbvio que isso que estou dizendo soa como um conservadorismo atroz pra quem entende a onda de destruição na Inglaterra como uma falha do sistema em atender às justas demandas dos jovens-de-adidas-e-celulares-oprimidos-pelo-capitalismo, porque essas pessoas enxergam o governo como the ultimate provider e vêem o núcleo familiar como um obstáculo ao controle central que tanto apreciam. Repare que essas manifestações violentas, greves gerais e quebra-quebras na Europa acontecem justamente nos momentos em que a realidade bate à porta e os governos são obrigados a cortar alguns gastos e privilégios que esses grupos de pressão encaram como direitos adquiridos. Só que direitos adquiridos exercidos às custas dos demais não são direitos, são privilégios. O padrão é o seguinte na disputa democrática: os candidatos prometem uma aurora de maravilhas, os eleitores convenientemente acreditam no almoço grátis (imaginando que estarão mortos no longo prazo) e votam no político mais generoso com o dinheiro alheio. Acontece que, com o tempo e os incentivos do sistema, cada vez menos pessoas pagam e mais pessoas recebem os benefícios, colocando as contas públicas numa encruzilhada. Os governos então tentam adiar a bancarrota se endividando e/ou imprimindo dinheiro (criando inflação), mas isso não resolve o problema. Com as contas deterioradas, o desemprego e a insatisfação aumentam, abrindo espaço pra oposição assumir o poder prometendo um pouco mais de austeridade. Algumas mudanças são ensaiadas, contando sempre com a oposição no limite da sabotagem dos movimentos sociais (o PT e os seus tentáculos no Brasil são bons exemplos desse comportamento). Analistas políticos e outros intelectuais de esquerda aparecem na televisão e nos jornais reclamando dos cortes nos gastos sociais, que isso é uma desumanidade do capitalismo selvagem contra a justiça social etc e tal, que o país precisa de uma nova esperança, de um novo tempo contra a desigualdade social, vocês conhecem a ladainha da chantagem emocional. Então, depois de algumas pequenas reformas que evitam momentaneamente o colapso econômico, os campeões do outro mundo possível estão preparados pra retomar o poder e iniciar uma nova rodada de demagogia, até o dia em que o dinheiro dos outros acaba de vez e os outros ainda levam a culpa.
Monday, August 15, 2011
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2 comments:
Bom dia,
Leu o artigo do Vladimir Safatle "O “colapso moral” de David Cameron" ? Ele faz um contraponto interessante ao que você expõe em seu texto.
Abraço!
Valeu, mas já conheço essa peça. Ab
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