Quando comecei a acompanhar o debate político, o Roberto Campos era o vilão favorito dos nacionalistas e socialistas, que o chamavam de Bob Fields, "lacaio do imperialismo", "vassalo do FMI" e "entreguista", entre outros nomes depreciativos. Mesmo eu não tendo muita noção do que tava acontecendo, essa campanha de desmoralização tinha efeito sobre mim, que identificava aquele senhor com tudo o que havia de errado no mundo. Claro, eu era apenas uma criança influenciada pelo ambiente e é mesmo complicado escapar da doutrinação nessa fase. Quando o mito da superioridade moral da esquerda sucumbiu aos meus olhos e me encaminhei pra uma visão mais liberal das coisas, comecei a acompanhar os artigos do Bob Fields e finalmente percebi o seu valor. Fiquei então curioso pra ler o seu livro de memórias - muito elogiado pelo Paulo Francis na época do lançamento - porque o homem não era apenas um liberal, mas um liberal que viveu o poder por mais de meio século e desenvolveu, ao longo dessa experiência, um ceticismo cada vez maior em relação à benevolência e eficiência do governo. "O século do coletivismo foi talvez o mais violento da história humana. Eclodiram duas guerras mundiais. Realizaram-se dois grandes experimentos de engenharia social, visando ambos a criação de um homem novo e superior: o homo aryanus e o homo sovieticus. Somados os expurgos e conflitos em vários continentes, o experimento socialista terá liquidado talvez 50 milhões de pessoas. O nazi-fascismo, com a II Guerra e o holocausto, sacrificou cerca de 45 milhões de pessoas. E nenhum desses experimentos de engenharia social logrou mudar permanentemente os homens. Houve apenas um temporário eclipse da razão e da compaixão." Você deve estar acostumado aos apelos em nome do bem comum, da comunidade, da nação, da pátria et cetera, mas quantas vezes ouviu falar das maravilhas do individualismo? É natural colocar o próprio interesse em primeiro lugar, mas reconhecer isso ainda é uma espécie de tabu. Não estou dizendo que a pessoa só pensa nela mesma, estou dizendo que a pessoa pensa primeiro nela e depois nos outros, use a própria experiência pra comprovar essa parte do seu instinto de sobrevivência. Você até se sacrifica pelo outro, mas faz isso quando o outro significa algo pra você. Somente o reconhecimento da individualidade de cada um é capaz de promover uma justiça livre de preconceitos de cor, raça, classe ou do que quer que seja. Sei que estamos inseridos num contexto de influências mútuas, mas a responsabilidade - pro bem ou pro mal - tem que ser individual. Responsabilizou-se grupos ao invés de indivíduos ("proletários" X "burgueses", "arianos" X "judeus") e foi a violência que se viu. Só o indivíduo pensa, só o indivíduo age. Só o indivíduo faz o bem, só o indivíduo faz o mal. Se aconteceram e acontecem tragédias inspiradas em alucinações coletivistas do naipe de um nazismo ou de um comunismo, é porque não se respeitou as diferenças entre as pessoas e não se reconheceu cada uma delas como fins em si mesmas (individualismo). "Nesse fim de século ressurgem tendências liberais sob a forma do capitalismo democrático. Este se baseia na convicção de que somente através do mercado se alcança a opulência, enquanto que para a preservação da liberdade o instrumento fundamental é a democracia." Depende da democracia, né? Se for uma em que as liberdades individuais são resguardadas pela lei e não são objeto de voto pela maioria, pode-se concordar com o que o Roberto Campos diz. Caso isso não aconteça - o que é mais provável e comum - o que impediria A de se juntar a B pra roubar ou matar C de forma "democrática"? "Conciliar o mercado, que é o voto econômico, com a democracia, que é o voto político, eis a grande tarefa da era pós-coletivista." Beleza, o problema é que ainda nem superamos a era coletivista, o Campos não viveu o suficiente pra testemunhar a ascensão do socialismo do século 21 através da democracia; ou os venezuelanos, bolivianos e equatorianos não votam? Votam sim, e segundo o Lula esses países "têm democracia até demais". "Sobrava confiança nos keynesianos dos anos 30 e 40 quanto à capacidade governamental de administrar o pleno emprego através da sintonia fina. Os desapontamentos viriam no pós-guerra, quando as políticas keynesianas, casualmente eficazes no combate à recessão, trouxeram prolongados períodos de pressão inflacionária." Se você se endivida pra construir uma ponte ligando o nada ao lugar nenhum, você pode até criar alguns empregos, mas esse gasto não vai ser eficiente e você vai ter agora uma dívida a pagar. Como o governo tem o poder de criar dinheiro do nada, ele tem todos os incentivos pra quitar ou rolar esse passivo através do aumento da base monetária, ou seja, inflação. "Somente nos anos 70, o keynesianismo, como doutrina, seria temporariamente desbancado pelo monetarismo." Temporariamente mesmo, porque as políticas econômicas dos principais países hoje em dia (incluindo os EUA) com seus "estímulos", endividamentos e inflação "pra gerar emprego" ainda são keynesianas. "John Kenneth Gailbraith nota, pitorescamente, que Hitler foi um predecessor pouco honorável do keynesianismo, utilizando maciçamente déficits orçamentários, a partir de 1933, para atenuar o desemprego." There you go, nacional-socialistas, o keynesianismo é uma teoria sem pé nem cabeça convenientemente usada por qualquer governo que não queira o mercado livre e queira controlar a economia sem estatizar completamente os meios de produção. "Apesar de se julgar uma secular meritocracia, o sistema de seleção para a carreira eclesiástica premia às vezes a mediocridade e o conformismo." Isso surpreende alguém ou as religiões se tornaram de repente amigas do inconformismo inovador? "Dirigida inicialmente por Ricardo Cravo Albim, a Embrafilme foi depois sujeita a grande descontinuidade administrativa, com suspeitas, periodicamente averiguadas, de malversação de fundos, através de alguns empréstimos descriteriosos a grupos privilegiados, quase todos, por sinal, cultores da temática do cinema novo." Não me diga... Esse pessoal queria "denunciar o sistema" usando o dinheiro do sistema a fundo perdido, claro. Fazem isso até hoje e não é surpresa a pressão gigantesca que um ministério (que nem deveria existir) como o da cultura sofre da "classe artística", por si só um sintoma de coletivismo; ou os artistas pensam todos da mesma maneira? "Minhas divergências com Gudin e Bulhões nos anos 50, muito comentadas na época, diminuíram rapidamente à medida que adquiri maturidade intelectual e experimentei desilusões quanto à eficácia do serviço público." Demorou, mas abalou. O serviço público simplesmente não tem os incentivos pra ser eficiente, porque os seus recursos são obtidos à força e a competição só acontece na hora das eleições, quando as pessoas podem então escolher qual das máfias - também conhecidas como partidos - vai ter acesso ao butim. "Cheguei mesmo - horresco referens - à tolice, que Gudin nunca me perdoou, de escrever o seguinte: 'As objeções de Hayek e Von Mises sobre a irracionalidade dos preços e de fatores nas economias planificadas teriam sido destruídas, em grande parte, pela análise de Barone, Taylor e Lange.' Nada disso aconteceu. Demoraria algum tempo, mas no fim das década de 80, com a queda do Muro de Berlim e o colapso do marxismo, verificou-se que as objeções dos liberais austríacos às economias planificadas, proferidas na década de 20, eram absolutamente válidas e incrivelmente proféticas." A lógica pode demorar, mas prevalece. O problema é que aquele papo de que "o que se aprende com a história é que não se aprende com a história" tem um fundo de verdade e não importa pra muita gente que o experimento socialista do século 20 tenha fracassado miseravelmente, a "superação do capital" continua na ordem intelectual do dia como um tema respeitável. "O máximo que se pode dizer é que Getúlio Vargas explorava um nacionalismo oportunista, antes que ideológico. Chamei-o de pragmático preconceituoso porque tinha uma visão falsa dos méritos relativos do investimento direto, em contraste com empréstimos e financiamentos." Os governantes querem o controle dos investimentos pra que os recursos passem pelas suas mãos e eles possam então fazer os seus negócios (malversações políticas ou monetárias). O lance é que muitas pessoas não enxergam nenhum problema nisso, só lamentam e criticam quando não são elas - ou a máfia a que pertencem - que controlam o processo. "Essa parte do pensamento de Vargas, que atribui os obstáculos ao desenvolvimento à ação das 'forças ocultas' foi depois acentuada por Leonel Brizola, que, por cerca de 30 anos, transformou as 'perdas internacionais' em bode explicativo do fracasso do desenvolvimento brasileiro." Cultuarem até hoje um socialista como o Brizola e um ditador como o Vargas mostra como o coletivismo ainda domina o debate nacional e ajuda a entender o vai-não-vai do Brasil rumo ao desenvolvimento. Vai, não vai, agora vai, não foi, fica pra próxima, quando "os outros" deixarem.
Wednesday, February 09, 2011
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
9 comments:
I’ve meant to post about something like this on my webpage and you gave me an idea. Cheers.
Post estonteneante aqui, post como aqui vemos dão motivação ao indivíduo que analisar neste blog :)
Dá maior quantidade do teu espaço, a todos os teus visitantes.
Bots ou não bots, eis a questão.
Yeah, bots.
Caríssimo Solíssimo, fizemos uma conference call aqui na agência com v∂arios especialistas pra saber o que são bots.Seriam robôs? Desculpe a ignorância. Perguntar é a melhor maneira de acabar com ela.
Abs, Fred.
Eu imagino que sejam comentários padrão enviados por "um bot, diminutivo de robot, um utilitário concebido para simular ações humanas, em geral numa taxa muito mais elevada do que seria possível para um editor humano sozinho."
http://pt.wikipedia.org/wiki/Bot
以为我会评论说整齐的主题,你有没有为自己吗?这真是真棒!
Caro Sol, sou primo do Yuri (Ex-Facha), que me indicou teu blog...Parabéns pelos posts & idéias.
Sobre R. Campos, qual pernicioso agente da CIA no Brasil, basta ler seu prefácio no Manual do Perfeito Idiota Latino-americano para entender porque a esquerdalha o temia tanto...
Abraços
:-)
Post a Comment