Wednesday, July 21, 2010
Discutindo, na boa, com o Quino
Tinha a impressão na infância de que Mafalda era muito cool, mas logo perdia o interesse quando tentava ler. Preferia os álbuns do Snoopy e do Garfield, com esses eu conseguia me identificar melhor, não sei explicar o motivo, não era nada ideologicamente consciente. Esbarrei agora no twitter com esse desenho do autor da Mafalda no site do Brizola Neto, que defende o legado do avô e apóia a Dilma, what a surprise. Dê uma olhada no desenho, por gentileza. Então, deu pra notar que o Quino desaprova a sociedade de consumo, mas não é preciso ir longe pra entender que é melhor a sociedade consumir do que não consumir, certo? Eu, você e a torcida do Flamengo queremos consumir, somos todos indivíduos com necessidades universais (comer, por exemplo) e particulares (ouvir post-rock, por exemplo). O pai da criança no desenho podia ir ao trabalho de bicicleta, mas ele tem um carro. É mais cômodo e rápido, o automóvel prosperou como meio de transporte porque facilita a vida de diversas maneiras a um custo relativamente baixo. O pai do menino podia ter ido andando até o hospital pra sua mulher dar à luz ao seu filho, mas ele usou o carro, carregar uma grávida pela rua não deve ser mole, vamos combinar. Depois o pai da criança aponta pro computador e diz "cérebro". Claro, foi o cérebro humano que construiu o computador, um instrumento que facilita o acesso à informação que, aí sim, é processada pelo cérebro. Não confunda as coisas, Quino. O pai então aponta o celular e diz "contato humano", mas - what the hell - ele não está ali tendo contato com outro humano? E o que o impede de sair de casa e bater um papo com o padeiro? Podem falar do tempo e do caso Bruno, o celular é só mais um meio de interagir com as pessoas. Ou não, basta deixá-lo desligado ou fingir que não o ouviu tocando, uma prática bem popular, aliás. Depois o pai da criança assiste a um programa de televisão entre o pornô e o Zorra Total, falando pro filho que aquilo é "cultura". Só que não há necessidade do pai da criança ver esse programa, ali mesmo no computador ("cérebro") ele pode ir no Youtube e mostrar pro filho tudo aquilo que ele considera como a cultura "verdadeira", ele tem a liberdade pra isso, não é verdade? Aí o pai mostra um espelho pro filho e diz que aquela imagem seria "o próximo a quem amar". Mensagem realmente importante essa da auto-estima. Se a pessoa não se amar em primeiro lugar, como vai desenvolver a capacidade de amar os outros? A pergunta fica pro Quino refletir. Depois o pai mostra um lixo cheio de moscas pra criança e diz "ideais, moral, honestidade". De qual "ideal" o Quino está falando? Tem vários por aí, por que ter uma televisão seria "imoral"? É importante definir os conceitos, minha gente. A grande apoteose do desenho acontece quando o pai mostra uma nota de dinheiro pro filho e diz "Deus". Não vou entrar no mérito da discussão sobre o sistema de reservas fracionárias versus o padrão-ouro, mas o Quino deve saber o esforço que é necessário pra conseguir o tal Deus de papel. O dinheiro é a representação da produção, da criação pelo homem de coisas demandadas pelo homem. Você ganha dinheiro quando faz algo de valor pra outra pessoa, isso é moral pra caramba, fala sério. Atentem pro fato de que o pai da criança - meio aterrorizado no último quadro - tem todas essas coisas que está criticando. Ou seja, a lição que o pai está dando à criança é a seguinte: "tenha essas coisas que vão te ajudar a ter uma vida melhor e mais confortável, mas trate-as como se fossem o próprio mal da civilização - isso mesmo, seja hipócrita and proud of it".
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2 comments:
Desde a Mafalda nunca tive dúvidas de que Quino é um esquerdista -- no sentido usual do termo: alguém que sente náuseas diante da 'sociedade de consumo' (mesmo tendo nascido nela e por causa dela prosperado) e que suspira por 'um mundo melhor' (mesmo que trinta segundos de reflexão demonstrem que isso só existe entre aspas).
Por isso, embora reconheça a genialidade do quadrinista argentino, mantenho ligado meu filtro ideológico quando aprecio sua obra.
Justamente.
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