Thursday, June 13, 2013

O "passe livre"

Atendendo a pedidos (1), vou escrever algo sobre a última insensatez coletiva, o "passe livre" (o objetivo é aumentar ainda mais a minha popularidade entre os simpatizantes do "socialismo e liberdade"). A primeira coisa que notei foi a tentativa da imprensa companheira em caracterizar o movimento como apartidário, não-ideológico - "pragmático", como um professor da USP (onde mais?) o classificou hoje n'O Globo. Bastaria uma olhada de relance na galera revolucionária pra perceber as mesmas bandeirinhas de sempre do PSOL, PCO, PSTU, UNE, CUT, PCB, PC do B, MST e constatar que a agitação é apenas mais um capítulo da luta anticapitalista, não se trata dos 20 centavos (10 pros estudantes). Como destruir ônibus e estações de metrô em prol do transporte "público, gratuito e de qualidade" não é bem visto pela maioria da população, aparece então a tropa de choque da mídia amiga pra salvar a sua querida ideologia e jogar a destruição no colo do "pragmatismo". Só o fato do movimento carregar estandartes socialistas já seria o suficiente pra desqualificá-lo como "pragmático", mas este é o Brasil e ser anticomunista por aqui é muito outdemodé, estamos acima disso, além, nada deve parecer impossível de mudar. Com os estudantes radicalizados como massa de manobra, o partido há 11 anos no poder (http://youtu.be/qcE_u1oXy0s) fica livre então pra desempenhar o papel de moderado, empurrando o pêndulo ideológico ainda mais pra esquerda: "Viu só, os manifestantes querem 100% de controle estatal e o PT só quer dominar uns 70%, são mesmo muito razoáveis e democratas." Na imagem, uma menina - certamente de classe média e cheia de boas intenções - diz que eles estão "mudando o país", mas como mudar por si só não quer dizer muita coisa, o que se pode prever pela experiência histórica é uma mudança pra pior: "Estou de mudança, saí de uma cobertura com piscina na beira da praia e vou morar debaixo da ponte. VIVA A MUDANÇA!". A realidade não parece servir como parâmetro e o sonho de jovens românticos e mal informados se transforma no pesadelo de quem sabe que não existe almoço grátis.  

Wednesday, June 05, 2013

Desigualdade e diversidade 2

Então desigualdade e diversidade são conceitos semelhantes usados de maneira diferente pela narrativa oficial: desigualdade cultural = bom, diversidade material = mau; desigualdade material = mau, diversidade cultural = bom. É um problema, porque cultura e acesso aos bens materiais não são domínios diferentes, diversos ou desiguais e estão interligados. Um herdeiro, por exemplo, de um europeu carrega valores diferentes, diversos e desiguais em relação a um herdeiro de uma tribo indígena. Um tem séculos de discussão moral, literária, científica e tecnológica que o levaram a um certo tipo de civilização enquanto o outro descende de uma cultura ágrafa que usa instrumentos do neolítico e dança pela chuva; até que - um belo dia - esses dois mundos se encontram. Há um choque e as diferenças diversas e desiguais causam conflitos violentos. Pra completar, os europeus ainda trazem escravos vindos de uma outra cultura diferente, diversa e desigual - eis o Brasil. (Nota no fim de 2015: esqueci de falar da imigração japonesa e européia do século XIX) Esses desníveis culturais e, conseqüentemente, de poder atravessaram alguns séculos aos trancos e barrancos até chegar-se ao imperativo político de hoje: igualdade material com diversidade cultural. Pra resolver esse impasse entre equalização material e diferenciação cultural, o monopólio da força é convocado (como se não tivesse culpa no cartório) pra exercer o seu direito cósmico-divino de tirar de uns pra dar pra outros - tomando pra si uma boa parte como comissão - enquanto tenta promover (através de leis, subsídios e proteções) as culturas diferentes, diversas e desiguais. Como a cultura não é algo monolítico (nem a do neolítico era), esse arranjo coercitivo e artificial acaba se transformando numa guerra de todos contra todos pelo controle da máquina estatal que vai tentar então impor essa agenda paradoxal, em que bases diferentes, diversas e desiguais perseguirão resultados iguais, semelhantes e equivalentes. 

Monday, June 03, 2013

Desigualdade e diversidade

Outro dia li um panfleto de um poeta carioca em que ele começava dizendo-se um "anarquista convicto" pra logo depois clamar pela restauração do poder do estado, que deveria então controlar isso, aquilo e mais aquilo outro pra promover essa ou aquela agenda. Ele provavelmente não viu nenhum problema nessa contradição, liricamente treinado que deve ser na arte dialética. Queria o governo usando o monopólio da força pra impor aquilo que ele considera importante, mas não queria perder a aura libertária, abraçando então impossibilidades tipo "socialismo e liberdade". Essa falta de rigor lógico não veio do nada, a revolta contra a lei da identidade (A = A) não começou ontem e nem vai terminar amanhã, ainda mais quando é subvencionada pela educação oficial (que não é boba e quer mais "anarquistas convictos" pedindo mais intervenção governamental). Um dos pretextos mais usados atualmente pra uma maior concentração de poder no estado é a promoção da igualdade - (material, sexual, racial, etc e tal) - com a desigualdade desempenhando nessa narrativa o papel de grande vilã pelo que acontece de errado no mundo. "Queimou uma dentista porque ela só tinha 30 reais na conta? Fruto da desigualdade social. Matou alguém por causa de um celular? Desigualdade. Vamos então equalizar todos na marra pra finalmente sermos felizes e solidários". O curioso é que, ao mesmo tempo em que querem acabar à força com a desigualdade, tecem loas emocionadas à diversidade, como se diversidade e desigualdade não fossem praticamente sinônimos. Já o indiquei aqui antes, mas esse livro dá boas pistas pra quem quiser entender que - por trás dessa cacofonia paradoxal de conceitos, intenções e práticas - existe um método: (http://www.stephenhicks.org/wp-content/uploads/2009/10/hicks-ep-full.pdf).