Wednesday, February 23, 2011

A liberdade de um termina quando:

Muitos olham pro modo como o poder é exercido e não conseguem imaginar como as coisas poderiam ser diferentes, mas a política é dinâmica e o que parece consenso hoje pode virar controvérsia amanhã. A escravidão no século 18, por exemplo, era fato consumado e os poderosos da época nem queriam imaginar como aquele arranjo pudesse depois ser questionado e finalmente abolido. Hoje se percebe o absurdo de se possuir outro ser humano, mas na época era o de praxe, "sempre foi assim, por que mudar?" Não importa se "sempre foi assim", isso não torna certo o errado, mesmo que o equívoco conte com o apoio da lei ou da maioria. Como o ser humano tem a capacidade de abstração pra imaginar outras possibilidades, o desejo de alterar o que se considera errado é permanente. E ao mesmo tempo em que todos concordam que há espaço pra melhora, poucos concordam sobre o modo de realizar essa melhora. Quer dizer, há uma certa convergência de valores e conveniências que resulta no que se conhece como o "sistema", mas esse arranjo é instável, são muitos interesses em jogo e a sua sustentação depende de condições econômicas objetivas e uma mentalidade dominante que o dê legitimidade. Então se as pessoas concordam que a educação deve ser controlada e fornecida "de graça" pelo governo, é isso o que elas vão ter, num ciclo que se retroalimenta: como o governo controla a educação, os seus agentes vão ter todos os incentivos pra fazer a apologia desse controle e a maioria doutrinada vai acabar encarando esse arranjo como algo tão natural como a lei da gravidade. Só que a educação controlada pelo governo não é uma imposição física da realidade, é uma imposição construída pelo homem, que - como a escravidão - também pode ser abolida pelo homem. Mas por que eu tô falando isso? Porque se hoje não há mais uma escravidão explícita como a do século 18, ainda há muita violência passível de abolição. Indo nos fundamentos, uma regra ética: a liberdade de um termina quando começa a do outro. Imagino que a maioria das pessoas concorda com isso em tese, mas quantas estão realmente dispostas a aplicar esse pensamento com consistência? Se a minha liberdade termina quando começa a do outro, estamos falando de dois indivíduos diferentes, não estamos falando de dois grupos diferentes, a minha liberdade não é a dos homens nascidos no Rio descendentes de X ou Y com renda de até Z salários mínimos, a minha liberdade é minha e a sua liberdade é sua. Agora, como determinar onde começa e onde termina a liberdade de um ou de outro? Não há como exercer a liberdade a não ser através do próprio corpo, o seu corpo é seu. Pode parecer redundante, mas em sistemas coletivistas - tipo comunismo ou nazismo - você meio que pertence ao coletivo, numa espécie de escravidão pelo "bem comum" definido por quem tem o poder. Então com a propriedade de si mesmo você é livre pra lidar com as outras pessoas que, como você, são soberanas de si mesmas. Essas relações não são impostas, a lei da "liberdade de um termina quando começa a do outro" diz basicamente que você não pode iniciar agressão, o que remove as imposições do cardápio legislativo. Ou você acha que você ou a maioria têm o direito de impor um comportamento ao outro? Use a persuasão e esqueça a iniciação de agressão. O lance é que esse princípio tem um violador constante, o governo e os seus representantes. Sei que falam num "contrato social", mas nunca o assinei. Se eu quero educar o meu filho em casa, eu não posso, sou obrigado pela lei a matriculá-lo em alguma das instituições de ensino aprovadas pelo governo. Se eu quero usar determinada substância ou comer determinado alimento, eu não posso, porque o governo diz que me faz mal e sobrecarrega o sistema público de saúde. Se eu quero contratar alguém pra um trabalho qualquer, eu não posso, a não ser que a pessoa tenha o certificado X aprovado pelo governo. Se eu quero abrir um estabelecimento em que o fumo é permitido, eu não posso, porque faz mal pra saúde e as pessoas são aparentemente incapazes de decidirem por si mesmas. Então a "liberdade de um termina quando começa a do outro" acaba virando "a liberdade de um termina quando o governo determina". Quem vive nesse esquema de controle acaba tendo todos os incentivos pra usar o governo a fim de garantir privilégios ou impor sobre os outros aquilo que imagina ser o correto. Não há mais liberdade, há uma guerra de todos contra todos com o objetivo de usar a força do "contrato social" em favor da agenda A ou B. Não importa se você considera a sua agenda nobre ou justa, o fato de muitas pessoas idolatrarem a Elis Regina, por exemplo, não justifica o uso de dinheiro público pra patrocinar um show em sua homenagem. Num sistema voluntário, os fãs da Elis Regina se reuniriam e pagariam pelo ingresso, pelo DVD e viabilizariam o projeto, sem obrigar o outro - através dos impostos - a pagar a conta. Se os impostos fossem voluntários, não teriam esse nome.

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