Thursday, July 28, 2011
A "teologia" do indivíduo
Sempre que você estiver advogando que todo indivíduo deve ser respeitado como um fim em si mesmo, que ele ou ela não devem ser usados como meios pros fins dos outros, vai surgir alguém te chamando de "egoísta", "extremista", "radical" e, ouvi outro dia, "teólogo do indivíduo". Vamos ver: uma teologia pressupõe a existência de um Deus, de um ser sobrenatural que tem de ser aceito com base na fé. Ora, um indivíduo não precisa de nenhuma crença sem evidência pra saber que ele próprio existe, que ele é real e está ali tendo aqueles pensamentos, mesmo que ele use essa capacidade pra tentar evadir a própria existência e experiência. Só que nem todo o malabarismo racionalizador do mundo vai ser capaz de negar que, afinal de contas, essa pessoa existe e está ali tentando equilibrar pensamentos contraditórios. Se quiser se sujeitar aos fins dos outros, essa pessoa é livre pra isso, mas - segundo o individualismo - ela não tem o direito de obrigar os outros a fazerem o mesmo. Depois de tentar equiparar a defesa do indivíduo com uma religião, mais críticas: "Veja, um indivíduo não opera no vácuo, não está sozinho no mundo, você é muito simplista." Óbvio que o indivíduo não está sozinho no mundo, se estivesse não haveria nem a necessidade de se falar em direitos individuais. Robinson Crusoé não precisava argumentar ou lutar pra ser um fim em si mesmo na ilha deserta, não havia ninguém ali dizendo que ele devia se sujeitar ao partido, ao governo, à sociedade ou a quem quer que seja, porque a defesa do individualismo só faz sentido justamente quando existem outras pessoas, é um conceito político, logo, social. Olha a palavrinha mágica aí, currupaco.
Wednesday, July 06, 2011
"Dinheiro é religião", segundo um astrólogo
Curioso com o que os astros tinham a dizer a meu respeito, fiz anos atrás uma leitura do meu mapa com uma astróloga. Mesmo não acreditando realmente naquilo, a sessão foi até emocionante, porque reafirmava de alguma maneira a visão idealizada que eu tinha de mim mesmo. Se aquilo me deixava bem na fita, também não pude deixar de pensar que a astróloga pode ter usado os meus preconceitos a respeito de mim mesmo pra que eu saísse satisfeito da consulta. Se eu demorasse mais duas horas pra sair de dentro da minha mãe, a minha personalidade seria diferente? Então por mais que ser leonino com ascendente em áries e lua em escorpião tenha dado uma espécie de validade externa ao que eu gosto de pensar sobre mim mesmo, não consigo acreditar em astrologia assim como não acredito em Deus, numerologia, tarô ou no misticismo esotérico que for. A posição dos astros, a soma das letras do meu nome, o homem invisível, nada disso é capaz de determinar quem eu sou ou o que penso, porque tenho uma certa margem de ação - dentro das minhas limitações e circunstâncias - pra mudar de opinião e atitude caso eu esteja realmente disposto a isso. Eis que esbarro então com esse pequeno texto do Oscar Quiroga, um astrólogo bem conhecido, dizendo que "dinheiro é religião", acompanhe: "O Deus dinheiro está com os dias contados." O dinheiro é um meio de troca e só acaba no dia que a humanidade acabar. Se um plantador de tomates faz uma consulta com o Oscar Quiroga, ao invés de ser pago com uma caixa de tomates, o Quiroga vai ser pago com dinheiro. O dinheiro representa a produção e a venda de tomates pelo fazendeiro, e o que acontece ali é uma relação entre um produtor de leituras astrológicas e um produtor de tomates, com o dinheiro mediando essa troca. "O Ocidente adora atacar os países cujos Estados são regidos por livros sagrados, porém, se observasse com mais atenção seu próprio umbigo, perceberia que por aqui também se faz o mesmo." É bom mesmo as pessoas discutirem as guerras, assim como é imperativo discutirem o modo como os governos manipulam as suas moedas, mas daí a comparar o dinheiro com a religião vai uma distância intergaláctica. "Pelo Deus dinheiro e seus complexos rituais e dogmas tudo se faz, tudo se sacrifica, promovendo miséria, ignorância e preconceito tal qual ocorre nos países em que os livros sagrados servem de base para as leis da civilização." Como é que o "Deus dinheiro" do Quiroga promove a miséria, a ignorância e o preconceito? Mais capaz da falta de dinheiro (produção e troca) promover essas coisas. "O dinheiro, tal qual os dogmas religiosos, não admite questionamento, impõe seu poder sem fornecer explicações nem lógica." Claro que admite questionamento, você é a prova disso. E o dinheiro, por si só, não impõe nada, quem impõe algo, além do governo (esse sim o impositor que as pessoas deviam questionar), é a estrutura da realidade. Se o Quiroga quiser comer - e ele não só quer como precisa - alguém tem que produzir essa comida. A pessoa que produziu essa comida também precisa comer, e o dinheiro serve pra facilitar essa cadeia de produção que coloca a comida na mesa. Culpar o dinheiro pelos males do mundo é um buraco negro no raciocínio maior que o sistema solar. "O dinheiro é uma religião que hoje em dia não tem mínima contenção na forma de leis ou regras, pode tudo, é a maior forma de autoritarismo nunca antes vista na história humana." Não me surpreende que esse texto tenha sido indicado por um socialista. Será que o Quiroga é ateu em relação ao "Deus dinheiro" quando recebe o salário do Estadão? Aliás, salário tem esse nome porque o sal era usado justamente como dinheiro (moeda de troca) na época do império romano. (http://www.estadao.com.br/horoscopo/)
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