Thursday, February 06, 2014

O espaço entre Rand e Olavo

Conversando anos atrás com um camarada, ele disse que eu - como ateu - preenchia a minha necessidade de transcendência com a música. Uma boa observação que me fez pensar nas diferentes razões que levam uma pessoa a gostar desse ou daquele estilo musical. Faz sentido, muitas das bandas que eu mais ouvia naquela época (Low e Sigur Rós, por exemplo) faziam shows em igrejas, não só pela acústica mas também pela aura (sente a vibe transcendental) desses lugares. A maioria das pessoas não passa a gostar dessa ou daquela música de maneira tão consciente - AWARE do processo - a resposta emocional é praticamente automática ("amo isso!", "odeio isso!", "sou indiferente a isso", "meus amigos gostam disso, então imagino que eu tenha que gostar também"), mas a formação do que norteia essas reações (o que Ayn Rand chamou de "sense of life") tem várias origens e pode ser - ainda que de maneira incompleta - explicada e generalizada. Rand: "A sense of life is a pre-conceptual equivalent of metaphysics, an emotional, subconsciously integrated appraisal of man and of existence. It sets the nature of a man’s emotional responses and the essence of his character. Long before he is old enough to grasp such a concept as metaphysics, man makes choices, forms value-judgments, experiences emotions and acquires a certain implicit view of life. Every choice and value-judgment implies some estimate of himself and of the world around him—most particularly, of his capacity to deal with the world."

Claro que duas pessoas fanáticas pelo Iron Maiden, por exemplo, não têm exatamente a mesma personalidade, mas certamente possuem algo em comum lá no fundo das suas almas (mais transcendência). Olavo de Carvalho diz que "partir do momento em que o universo cultural passou a girar em torno da tecnologia e das ciências naturais, com a exclusão concomitante de outras perspectivas possíveis, era inevitável que o imaginário das multidões fosse se limitando, cada vez mais, aos elementos que pudessem ser expressos em termos da ação tecnológica e dos conhecimentos científicos disponíveis. Gradativamente, tudo o que escape desses dois parâmetros vai perdendo força simbolizante e acaba sendo reduzido à condição de "produto cultural" ou "crença", sem mais nenhum poder de preensão sobre a realidade. O empobrecimento do imaginário é ainda agravado pela crescente devoção pública ao poder da ciência e da tecnologia, depositárias de todas as esperanças e detentoras, por isso mesmo, de toda autoridade. Isso não quer dizer que as dimensões supramateriais desapareçam de todo, mas elas só se tornam acessíveis ao imaginário popular quando traduzidas em termos de simbologia tecnológica e científica." Ele completa com uma observação que alguém com um projeto musical chamado Enseada Espacial (http://www.saxpax.com/enseada-espacial-entrevista/considerou de interesse bastante pessoal: "Daí a moda da ficção científica, dos extraterrestres e dos deuses astronautas. Mas é claro que essa tradução não é uma verdadeira abertura para as dimensões espirituais, e sim apenas a sua redução caricatural à linguagem do imediato e do banal.

Ayn Rand e Olavo de Carvalho oferecem então duas interpretações inevitavelmente diferentes da realidade, entre a vida terrena e a eterna. Me identifico mais com Rand, mas a filosofia do Olavo também me atraiu por causa de algo bem enfatizado por ambos: a primazia da consciência individual. Pra quem duvida que um crente dê realmente importância à consciência individual (e, conseqüentemente, ao livre-arbítrio longe das onipotências ou onisciências determinísticas), tem a declaração que abre o seu site: "Somente a consciência individual do agente dá testemunho dos atos sem testemunha, e não há ato mais desprovido de testemunha externa do que o ato de conhecer." É ali, no silêncio sonoro das discussões introspectivas, do debate de você com você mesmo, que se forma a personalidade, que se cultiva os princípios (ou a falta deles) que vão orientar as suas escolhas éticas e estéticas. "Uma vida não examinada não merece ser vivida", Sócrates dizia - até o establishment da época ficar meio desconfortável com tamanha honestidade intelectual e decidir que ele examinava a vida até demais, ministrando então um veneninho básico pro filósofo parar de se meter a besta.