Tuesday, January 25, 2011

Os 10 mandamentos de um deputado do PSOL

Antes de entender algumas relações de causa e efeito, eu também era um social-democrata-padrão-zona-sul-carioca, ou seja, eu era um "social-democrata" que votava em socialistas do PT como o Chico Alencar. Depois que os petistas chegaram ao poder e colocaram, como observou o Paulo Betti, "a mão na merda", o Chico e mais alguns amigos do "outro mundo possível" saíram do PT e fundaram o PSOL, um partido sem vergonha de misturar - dialeticamente, claro - socialismo com liberdade. Mesmo fora do PT, o Chico Alencar não se tornou exatamente da oposição, ele só acha que o partido no poder ainda não fez o suficiente pra tornar realmente possível o "outro mundo possível". "Se a presidente eleita do Brasil e os novos governadores, deputados e senadores quiserem de fato representar novidade para o povo, precisarão realizar, sempre empurrados pela mobilização popular, os ‘dez mandamentos’ que se seguem: 1) Reforma Agrária e Urbana ecológicas, com a limitação do tamanho das propriedades e o uso social dos imóveis urbanos estocados para especulação." Sei lá quantas centenas de milhares de "sem-terras" já foram assentados desde o governo FHC, mas - mesmo recebendo subsídios - não conseguem produzir o suficiente pra própria subsistência. Isso acontece porque plantar não é bem a praia do MST, um movimento de inspiração maoísta cujo objetivo maior é servir de ponta de lança pra demonização dos "ruralistas" (imagine o Ronaldo Caiado de chapelão num alazão) e a conseqüente estatização do campo, desejo antigo das esquerdas. A coisa é complicada porque foram justamente as exportações dos "ruralistas" que garantiram, até agora, os superávits da balança comercial que ajudaram a bancar a demagogia do PT. Então o governo vai empurrando com a barriga, sendo cúmplice das invasões dos seus companheiros ideológicos ao mesmo tempo em que tenta agradar os "ruralistas" (que pagam a conta) com protecionismo e crédito subsidiado. E o "uso social dos imóveis estocados para especulação" pode ser traduzido como o "uso socialista dos imóveis estocados para especulação", ou seja, desapropriação. É tudo feito na base da coerção, mas com muito amor no coração. "2) Mudança na política econômica, com controle dos capitais especulativos que entram e saem do país e auditoria da dívida pública, cujos juros e serviços consomem 36% do orçamento nacional." A dívida pública não foi obra, pra usar uma imagem que o católico Chico deve conhecer bem, do Espírito Santo, foi resultado de décadas de políticas equivocadas - a gente pode não ter a explicação pra tudo, mas tudo tem uma explicação - e o país paga esse passivo todo por não ter levado a sério a austeridade fiscal ao mesmo tempo em que levava a sério o conto do governo "indutor do desenvolvimento". São as conveniências da disputa pelo poder, sabe? (imagine o Gollum atrás do anel) Se uma pessoa não paga o que o governo diz que ela deve, ela é presa. Se o governo não paga o que deve, o governo chama isso de "moratória soberana" ou "calote compassivo" e estamos conversados, governos não precisam se submeter às mesmas regras que os seus cidadãos, não é verdade? Se o governo quiser, ao menos, rolar a dívida pra não acabar completamente com os investimentos externos, o "controle dos capitais especulativos" do Chico Alencar vai dificultar até mesmo a rolagem dessa dívida, porque são justamente esses capitais que a financiam. Se os capitais não sabem se vão poder sair, por que eles entrariam? "3) Prioridade para saúde e educação públicas, com meta de comprometimento de 10% do PIB em cada setor até o final dos mandatos." Aqui você vê claramente como funcionam os incentivos no serviço público: quanto menos resultado ele dá, mais recursos ele se sente no direito de pedir. Como a maioria acha que a educação e a saúde devem ser responsabilidade do estado, a arapuca está armada. As crianças então são obrigadas por lei a freqüentar as escolas do governo ou aprovadas pelo governo - com o currículo monopolizado pelo governo - pra aprenderem que a educação deve ser fornecida "de graça" pelo governo, caso contrário os especuladores comprariam todas as nossas riquezas naturais a preço de banana, o Brasil ficaria sempre nos últimos lugares dos testes internacionais e o ciclo não fecharia. Ficou confuso? Culpe o MEC. "4) Garantia e ampliação dos direitos trabalhistas, com redução da jornada para 40 horas semanais, sem redução de salários." Olha a caneta mágica: o salário não tem relação com a produtividade, tem relação com as leis que regem as relações trabalhistas. Por que então não baixar de 40 pra 20 horas semanais sem redução do salário? Aliás, por que não determinar logo de uma vez que ninguém pode ganhar menos de 10 mil reais + benefícios? A caneta do governo é mágica, gente. "5) Cuidado absoluto com a ‘Mãe Terra’ tão espoliada, o que, no Brasil, significa combate à revisão do Código Florestal no interesse dos grandes fazendeiros e Desmatamento Zero na Amazônia, além da preservação de todos os biomas." Como é que o Chico Alencar espera que as pessoas comam com a "preservação de todos os biomas"? Onde as pessoas vão plantar ou criar os animais que vão nas feijoadas que o Chico Alencar e a galera da esquerda festiva gosta de comer? E o que significa "desmatamento zero" na Amazônia? As pessoas estão proibidas de morar lá? Bem que o Zizek avisou que os esquerdistas estão "masoquisticamente" apostando num grande desastre ambiental... Eles apostam e os outros sofrem. Sem a produção em massa dos "grandes fazendeiros" que não preservam "todos os biomas", os "espoliados" - ao invés da "Mãe Terra" - seriam os mais pobres prejudicados pela escassez de comida, enquanto a "Mãe Terra" do Chico Alencar ficaria virgem e intocada pelo homem mau e impuro, praticamente uma Nossa Senhora verde. "6) Reforma Política com participação popular, na direção do fortalecimento dos partidos que têm doutrina, do financiamento público exclusivo das campanhas, da promoção de plebiscitos e referendos sobre grandes temas nacionais." Venezuela, here we go. Gostaria de propor também um plebiscito: socialistas como o Chico Alencar olham pro que tá acontecendo na Venezuela e acham realmente que as coisas tão melhorando por lá? You'll be the judge. E concordo, o "financiamento público exclusivo das campanhas" acabaria com o caixa 2, tenho fé no Deus da Teologia da Libertação que sim. "7) Fortalecimento do combate à corrupção, com transparência total e equipando melhor a Controladoria Geral da União, as controladorias estaduais e o Ministério Público." Quem fiscaliza os fiscais dos fiscais? O que combateria de fato a corrupção seria a desregulação da economia, que acabaria com a criação de dificuldades pra venda de facilidades, mas isso deixaria os políticos e burocratas sem o que fazer, melhor jogar conceitos como "transparência total" ao vento a se render ao livre-mercado. "8) Mudança progressiva do modelo energético, com a Petrobras 100% estatal e recursos do Pré-Sal voltados para as áreas social e ambiental." Beleza, Petrobras 100% estatal, nem Vargas foi tão "progressista". Se bem que essa concentração de recursos nas "áreas social e ambiental" não ia agradar muitos dos amigos e eleitores do Chico, cadê a verba do Pré-Sal pra cultura? "9) Força aos Direitos Humanos: combate aos preconceitos, consolidação dos direitos de mulheres, negros e povos indígenas, além de abertura total dos arquivos da ditadura e democratização dos meios de comunicação." Toda essa generosidade do Chico Alencar com os grupos que ele considera oprimidos se dá na marra, porque o governo é imposição, não esqueça disso antes de enxergar uma auréola de paz e amor na cabeça de quem fala em tirar de A pra dar pra B. Fora da igualdade perante a lei não há salvação. Em relação à "abertura total dos arquivos da ditadura", eu não me oponho, desde que os militantes armados que lutaram contra os militares também abram os seus arquivos e provem que não lutavam por uma ditadura ainda pior, uma ditadura comunista. Agora no poder, dizem que lutavam pela "democracia", mas você sabe como é a dialética, né? Por exemplo, a "democratização dos meios de comunicação", no caso, significa "controle pelo governo", e é lógico que eu apóio (numa vaibe meio Zizek) a idéia do governo controlar a imprensa, é assim nas melhores "democracias". "10) Política internacional independente, contra todos os hegemonismos, reforçando a relação Sul-Sul." Não podia faltar o tradicional antiamericanismo nessa pururuca ideológica, melhor se aliar a Venezuela, Bolívia, Cuba, Irã ou alguma ditadura africana a "se submeter" aos estadunidenses. Disso o Chico Alencar não tem mesmo do que reclamar, porque foi essa a política no Itamaraty do Celso Amorim nos últimos anos. "Só assim teremos, na política, o Advento de um vento novo, que abala a calmaria da prosseguida injustiça!" Como se o vento desse "Advento" já não tivesse soprado em várias outros lugares e fedido pra caramba. A ideologia deve ter subtraído mais-valia do olfato desses caras, não é possível. (http://youpode.com.br/blog/chicoalencar/2010/12/07/os-maiores-desafios-para-o-novo-governo/)

Wednesday, January 19, 2011

O "neoliberalismo" do Emir Sader

"O capitalismo passou por várias fases na sua história. Como reação à crise de 1929, fechou-se o período de hegemonia liberal, sucedido por aquele do predomínio do modelo keynesiano ou regulador." Já havia regulação antes de 1929, um mercado inteiro não entra simultaneamente em crise sem a participação de algo em comum a todos (governo). O New Deal - muito aclamado pelos esquerdistas pela concentração de poder no estado - apenas atrasou a recuperação americana, que só foi sair da crise de 29 no pós-guerra. "A crise deste levou ao renascimento do liberalismo, sob nova roupagem que, por isso, se auto denominou de neoliberalismo." Um sistema econômico não tem como se "autodenominar", quem fala em "neoliberalismo" são socialistas como o Sader. Da wikipedia: "O termo foi cunhado em 1938 no encontro de Colloque Walter Lippmann pelo sociologista e economista Alexander Rüstow", um alemão que advogava o "ordoliberalismo, uma doutrina econômica, adotada principalmente na Alemanha do pós-guerra, uma "terceira via" entre o socialismo e o capitalismo." "Este impôs uma desregulamentação geral na economia, com o argumento de que a economia havia deixado de crescer pelo excesso de normas, que frearia a capacidade do capital de investir." Esse "argumento" é um fato. "Desregulamentar é privatizar, é abrir os mercados nacionais à economia mundial, é promover o Estado mínimo, diminuindo os investimentos em politicas sociais, em favor do mercado, é impor a precariedade nas relações de trabalho." O que seria do discurso socialista sem esses apelos emocionais? Leis não evitam a "precariedade" do trabalho; se evitassem, todos os brasileiros estariam formalizados com a carteira assinada e ganhando, no mínimo, um salário mínimo. Não é isso o que acontece. "A desregulamentação levou a uma gigantesca transferência de capitais do setor produtivo ao especulativo porque, livre de travas, o capital se dirigiu para o setor onde tem mais lucros, com maios liquidez e menos tributação: o setor financeiro. Porque o capital não está feito para produzir, mas para acumular. Se pode acumular mais na especulação, se dirige para esse setor, que foi o que aconteceu em escala mundial." O setor financeiro também é produtivo, porque ao investir num empreendimento, o especulador está ajudando a viabilizar a produção desse empreendimento. O problema é que grande parte do movimento especulativo vai atrás dos papéis da dívida de governos como o brasileiro, que pagam juros altíssimos justamente pra que os especuladores continuem financiando a gastança dos governantes. "O modelo neoliberal se tornou hegemônico em escala mundial, impondo as politicas de livre comércio, de Estados mínimos, de globalização do mercado de trabalho para os investimentos, entre outros aspectos. É uma nova fase do capitalismo, como foram as fases de hegemonia liberal e keynesiana." Antes fosse, a última crise mostrou que o keynesianismo ainda domina a política econômica com seus "estímulos" (aumento de dívida e inflação) e juros artificialmente baixos (gestação da próxima bolha). Essa narrativa saderiana de que o "neoliberalismo" rules everything é bem conveniente pros governos, que podem então colocar a culpa da crise no "mercado desregulado" e assim acumular ainda mais poder. "Não se pode dizer que seja a última, porque um sistema sempre encontra formas – mesmo que aprofundem suas contradições - se outro sistema não surge como alternativa, com a força correspondente para superá-lo." O que "aprofunda a contradição" do sistema é o governo imaginar que pode criar prosperidade através da impressão de papel moeda e do endividamento constante, isso sim é insustentável. "Mas é uma fase difícil de ser superada, porque a desregulação tem muitas dificuldades para ser superada." Ele vai repetir essa ladainha de "desregulação" até alguém acreditar. "Mesmo com a crise atual afetando diretamente os países do centro do capitalismo, provocada pela fata de regulação do sistema financeiro, ainda assim pouco ou quase nada foi feito para o controle do capital financeiro, justamente a origem da crise." O setor financeiro, como todos os outros, também é afetado pela política monetária expansionista dos governos, Sader. "Como já se disse: Obama salvou os bancos, achando que os bancos salvariam a economia dos EUA. Mas os bancos se salvaram às custas da economia norteamericana, que segue em crise." Essa é uma discussão boa, o cartel de bancos comandado pelo Fed, um arranjo incompatível com o livre-mercado. "É difícil para o capitalismo desembaraçar-se do neoliberalismo, etapa que marca o final de um ciclo desse sistema." Repararam que, na análise de socialistas como o Emir Sader, os sistemas parecem ter vontade própria? "A discussão que se coloca é de se o modelo chinês representa vida útil e inteligência mais além do neoliberalismo ou do capitalismo. Se sua via de mercado se vale do mercado para superar o capitalismo ou se o mercado o vincula de obrigatória e estreita ao capitalismo." O sistema chinês vem "funcionando" porque o país partiu pro comércio internacional de uma base muito baixa após décadas de comunismo (que o Sader certamente aplaudia) e porque o governo vem desvalorizando a própria moeda pra exportar mais, subvencionando o consumo de países como os EUA. Talvez essa seja uma estratégia pra enfraquecer o dólar (e o próprio governo americano vem colaborando com isso), mas um sistema centralizador de partido único não pode - ou não deve - servir de modelo pra ninguém. "O certo é que ser de esquerda hoje é de lutar contra o neoliberalismo, não apenas resistindo a ele, mas sobretudo construindo alternativas a este modelo, allternativas que projetem para além do capitalismo." Continuo esperando que você ou o Chomsky ou o Zizek expliquem como vai ser essa alternativa "além do capitalismo", melhor eu esperar deitado. "O neoliberalismo promove um brutal processo de mercantilização das coisas e das relações sociais. Tudo passa a ter preço, tudo pode ser compra e vendido, tudo é reduzido a mercadoria, em um processo que tem no shopping center sua utopia." Você pode ir pro meio do mato, Sader, e viver da mão pra boca, longe desses terríveis shopping centers onde as pessoas trocam bens e serviços através do sistema de preços. Você não precisa negociar com um preá, basta dar-lhe uma traulitada na cabeça pra conseguir a sua próxima refeição, longe daquele antro de consumismo desenfreado sem consciência social que é a praça de alimentação. "Nesse caso, lutar pela superação do neoliberalismo é desmercantilizar, restabelecer e generalizar os direitos como acesso a bens e serviços, ao invés da luta selvagem no mercado, de todos contra todos, para obtê-los às expensas dos outros." Acho que o Sader se confundiu, quem tem o poder de tirar de uns pra dar pra outros é o governo, com os milhares de grupos de interesse correndo atrás de privilégios às custas dos demais. A inversão é a norma: o monopólio da coerção é o mocinho, o mecanismo voluntário é o bandido. "Generalizar a condição do cidadão às expensas da generalização do consumidor. Do sujeito de direitos e não do dono de poder aquisitivo. Quanto mais se desmercantilizar, quanto mais se afirmar os direitos de todos, mais se estará criando esfera pública, às expensas da esfera mercantil (que eles chamam de privada)." De quais "direitos" você está falando? O "direito" de alguém a um bem corresponde ao dever dos outros fornecerem esse bem. Se - ao invés de ficar insistindo numa teoria falsa - o Sader quisesse realmente que os "direitos" fossem generalizados, ele deixaria a "esfera mercantil" funcionar pra que os preços diminuíssem e mais pessoas tivessem acesso então aos bens e serviços que ele chama de "direitos". Mas ele não quer isso, ele quer "superar o capitalismo" tendo Cuba como exemplo. "Essa pode ser a via de passagem do neoliberalismo como estágio do capitalismo à sua superação, a uma era pós-capitalista." Continuo aqui deitado esperando pela explicação de como isso vai acontecer. "Mas hoje o que nos une a todos é a luta por distintas formas de pós neoliberalismo - pela universailização dos direitos, pela extensão da cidadania em todas suas formas – politica, econômica, social, cultural -, pelo triunfo do Estado social contra o Estado mínimo, da esfera pública contra a esfera mercantil." Tears in my eyes. Toda essa repetição de "superação do capitalismo" parece ter - à primeira vista - um charme meio rebelde e vanguardista, mas não se engane, o que o Sader defende é o mesmo socialismo de sempre, aquele em que o governo concentra todo o poder e o indivíduo não passa de uma mera engrenagem pros planos totalitários de uma ditadura "iluminada" com muitas aspas. (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=650)

Monday, January 17, 2011

Slavoj Zizek e a "superação do capital"

O "Elvis da teoria cultural" vai logo avisando: "Não se esqueça de que comigo as coisas sempre são o contrário do que parecem." O esloveno Slavoj não veio pra explicar, veio pra confundir, praticamente um Chacrinha da filosofia. "Desde o final do século XVIII havia profetas que diziam que o capitalismo estava chegando ao fim. Marx achou que a Comuna francesa era o fim. Lênin achou que era o fim. Mao Tsé Tung achou que era o fim. Mas o problema é que, quanto mais o capitalismo se desintegra, mais ele ressurge como a Fênix." Verdade, a livre iniciativa individual sempre ressurge frente aos planos totalitários coletivistas, é isso mesmo. "Alguns esquerdistas colocam suas esperanças, masoquisticamente, em uma grande catástrofe ecológica." Não me diga... "Esses debates pseudo-liberais sobre até que ponto o Estado deve intervir no mercado... O mercado não pode sobreviver sem intervenção do Estado." O escopo do estado não é um debate "pseudo-liberal", é um debate central. Entre o controle absoluto e a liberdade total há muito o que se discutir. "O paradoxo é que... Vocês se lembram de que anos atrás os EUA processou a Microsoft por monopólio? Esse é um paradoxo maravilhoso. Significa que o Estado tem de intervir para que o mercado sobreviva." O mercado sobrevive apesar dessas intervenções e não por causa delas. "O mercado, espontaneamente, teria, há muito tempo, abolido a si próprio." O mercado não tem capacidade de escolha pra "abolir a si próprio", o mercado é um processo em que as pessoas trocam bens e serviços atrás dos seus próprios objetivos, com cada um sendo dono de si mesmo e daquilo que trocou ou ganhou de forma voluntária. Esse é o sistema diabólico que intelectuais como o Zizek fazem de tudo pra destruir, blaming capitalism for the evils done by government action. People seem to confuse corporatism, and state capitalism, with free market capitalism. It is the same old song and dance that I have heard over and over again. "Sou hegeliano. Meu amor absoluto é Hegel. E todas as outras coisas estão subordinadas a ele. Leio Marx e o que me interessa é como não é possível entender Marx sem Hegel. E por isso fiquei muito feliz ao ouvir de meus amigos que vocês têm no Brasil uma grande escola de marxistas hegelianos que estudam em detalhes que não se pode entender o capital sem referências à lógica de Hegel." Maravilha, então os amigos do Zizek se reúnem (com dinheiro público?) pra realizar truques dialéticos - e saltos carpados psicanalíticos - a fim de provar que A não é A, que A é uma ilusão criada pelos opressores estadunidenses pra se fazer de simulacro de A. A não é A, A é outra coisa e o seu contrário ao mesmo tempo. Com a galera do Zizek é assim, as identidades ficam todas juntas e misturadas. "O filósofo argentino Ernesto Laclau analisou a fundo a lógica do populismo, sustentando que existe uma variante de esquerda e uma variante de direita. A tarefa do pensamento crítico consistiria em evitar a derivação de direita. Não estou de acordo com essa posição. Em primeiro lugar, o populismo é sempre de direita." Como o Zizek quer sempre dizer o contrário do que diz, o populismo então é sempre de esquerda. "Além disso, o povo, como a natureza, é uma invenção." A natureza é uma "invenção" de quem? De Deus? De Zeus? Será que o Zizek vive desafiando por aí as leis físicas da "natureza inventada"? Se a natureza é uma "invenção", o Slavoj é o quê, o contrário dele que ainda não existiu? "Walter Benjamin escreveu que o fascismo emerge de onde uma revolução foi derrotada. Um conceito que, aplicado à realidade contemporânea, explica o fato que o populismo emerge quando a hipótese comunista, que não coincide com o socialismo real, é retirada da discussão pública." Comunistas raciocinam assim: tudo o que não é comunista, é "fascista". Qual comunismo não tem a ver com o "socialismo real"? O Zizek, infelizmente, não vai conseguir explicar como é que concentrar todo o poder no estado causará - PUF! - a sua abolição. Ele não veio pra explicar, veio pra confundir. "A crise econômica, além disso, exigiu uma intervenção do estado para salvar da bancarrota empresas, bancos e sociedades financeiras. Mas isso significou que o tabu sobre a periculosidade da intervenção reguladora do estado foi quebrado." Que mané tabu, o intervencionismo estatal é a norma no mundo há várias décadas, você sabia que o dinheiro é controlado pelos governos, Zizek? "Isso pode reforçar os socialistas, isto é, aqueles que apontam para uma redistribuição de renda e de poder." É, o poder vai mudar da gangue A pra gangue B, ipi ipi hurra. O lance é que as gangues socialistas quando chegam ao poder não sabem como produzir riqueza e a renda a ser redistribuída fica com o tempo cada vez menor. Ou maior, se você usar a dialética do Zizek. "Não é a política que eu amo, mas abre espaço a propostas mais radicais. Em outras palavras, volta forte a ideia comunista de transformar a realidade." Todo esse nhém-nhém-nhém pra voltarmos a isso, a idéia comunista. Ele não leva em consideração, claro, a tragédia comunista do século XX, aquilo foi só o "socialismo real", na próxima vez vai funcionar, pensamento positivo, galera. Ou negativo, sei lá. "Não acredito, como Hardt e Negri, que com o desenvolvimento capitalista a força produtiva, mais cedo ou mais tarde, entre em rota de colisão com as relações sociais de produção. Devemos, de fato, agir politicamente para que isso aconteça. É esse o legado de Lênin que não pode mais ser apagado." O cara quer ver o circo pegar fogo, tinha o Cassino do Chacrinha e agora vai rolar o Circo em Chamas do Zizek ou o Circo do Zizek em Chamas, depende do que for mais conveniente pra dialética hegeliana do momento. O "desenvolvimento capitalista" e as "relações sociais de produção", Zizek, não são contraditórios, eles andam juntos. Capital e trabalho não são rivais, são complementares. "Teremos de achar formas de não meramente abolir o capitalismo mas, de alguma forma, superá-lo." Falar em "superar o capital" sem explicar como fazer isso é uma afirmação de fé tipo "superar a matéria", e a gente "supera" a matéria sim, quando morre. A estrutura da realidade não vai se alterar com wishful thinking e as pessoas vão continuar tendo que cooperar umas com as outras pra passarem pela vida da melhor maneira possível. O modo delas cooperarem é o que se discute: como indivíduos autônomos responsáveis pelas próprias decisões (liberdade) ou como seres incapazes e dependentes de um poder central (controle)?

Tuesday, January 11, 2011

Noam Chomsky e o "socialismo libertário"

Quando você conhece um brasileiro meio politizado e meio rebelde, é quase certo que ele seja um admirador de Noam Chomsky. O homem se diz um "anarco-sindicalista", um "socialista libertário", e essas definições contraditórias não podiam dar mesmo num discurso claro e objetivo, porque premissas confusas geram conclusões confusas. Então por que ele é tão popular? Porque ele fala mal do capitalismo e dos EUA, exigir uma teoria lógica e consistente seria pedir muito, parece que o lance é mais descontar os ressentimentos através de um porta-voz de Harvard, um representante com autoridade e PhD lá da terra do "inimigo". "Não há ninguém que apareça e diga: queremos um programa de criação de empregos e não equilibrar o orçamento. Isso é o que o público quer, mas não é o que o mundo dos negócios quer." Caso não haja equilíbrio no orçamento, isto é, caso o governo continue gastando mais do que arrecada (e isso acontece quase sempre), os juros e os custos dos investimentos vão aumentar e tornar as coisas mais caras não é a melhor maneira de criar empregos. Não é assim porque eu e o "mundo dos negócios" achamos que é assim, é assim porque é assim. "O Brasil foi tomado pelos EUA em 1945 e foi uma das áreas de testes de métodos científicos de desenvolvimento do capitalismo americano. Os técnicos americanos tomaram grandes decisões e se orgulharam muito do seu projeto. Eles se orgulhavam inclusive de imporem uma ditadura neonazista. O Brasil era o queridinho latino-americano da comunidade empresarial. Até 1989, continuava a ser tratado como um êxito fantástico para o capitalismo americano." Que trecho fabuloso, o "Brasil foi tomado pelos EUA em 1945", que impuseram então "uma ditadura neonazista". Do que ele tá falando? De Dutra? De Vargas? Ou a ditadura militar é que era "neonazista"? Até 1989, o Chomsky diz, o Brasil era "um êxito fantástico para o capitalismo americano." Realmente, o estatismo nacionalista (neonazismo?) brasileiro - com seus monopólios governamentais, reservas de mercado, congelamento de preços e hiperinflação - pode ser caracterizado como "um êxito fantástico do capitalismo americano", isso não é um raciocínio sério, come on. "O Brasil é um país grande, tem muitas opções. A primeira coisa que o Brasil tem de fazer é controlar os seus ricos." Não tem que "controlar" ninguém, esses caras sempre com esse papo contra quem tem dinheiro, a inveja por acaso perdeu a vergonha e agora virou virtude? Me diga, seu Chomsky, os ricos do governo ou por causa do governo também vão ser controlados ou esse controle vai ser seletivo? "Meu país nunca desenvolveu o contrato social que os países europeus têm. Aqui existia a ideologia capitalista e ela dizia que ninguém tem direitos humanos, você só tem o direito de entrar no mercado de trabalho." É complicado quando um lado vive no mundo imaginário da abundância e fala em "direito" ao trabalho, à moradia, à cultura, ao lazer e à felicidade eterna guiada pelo governo clarividente e você, de outro lado, lembra da escassez e fala em direito apenas à liberdade de perseguir a própria felicidade através de acordos voluntários, mas paciência. "Na década de 20, os trabalhadores americanos não tinham nem uma fração dos direitos dos trabalhadores europeus, mas tinham muito mais bens. É um país muito livre, mas extremamente opressivo." Eis a vaibe de um partido como o PSOL, que juntou socialismo e liberdade sem medo de ser feliz. Os EUA, segundo o Chomsky, são "um país muito livre, mas extremamente opressivo". Tem como explicar isso ou a contradição virou uma forma válida de argumentação? O fato dos trabalhadores europeus terem um monte de "direitos" no papel não garante - como ele mesmo admite - esses direitos; frases (leis) num livro (constituição) não garantem automaticamente uma "vida digna a todos" nem que haja muita vontade política (imposição). "Porque o governo federal é a única força suficientemente forte para enfrentar os interesses das corporações." Não, o governo federal é a única força suficientemente forte pra se aliar de maneira simbiótica com as corporações amigas pra impedir o funcionamento livre do mercado. "Tudo é muito bem planejado: destruir os sindicatos e destruir qualquer ideia de que o governo pode ser um instrumento que as pessoas podem usar em seu próprio benefício." Mas as pessoas realmente usam o governo em seu próprio benefício, Chomsky, veja os políticos, burocratas, funcionários públicos, corporações amigas e todos os grupos de interesse que gravitam em torno do governo, é gente pra caramba, inclusive os seus amados sindicalistas, o resto paga a conta. "O governo Reagan, por exemplo, informou à comunidade de business que não iria seguir as leis e deixou claro para as corporações que elas podiam demitir trabalhadores e não precisavam cumprir as leis." Quando o Chomsky ficar insatisfeito com o serviço da sua diarista, ele vai pedir licença pro Obama pra demiti-la? É o pensamento da caneta mágica: se houver uma lei determinando que ninguém pode ser demitido, o desemprego desaparecerá. Cuba tentou essa fórmula e foi esse sucesso todo que o Fidel hoje em dia reconhece. "Essa é uma sociedade dirigida pelo business e boa parte do business são instituições totalitárias." A Coca-Cola é "totalitária" em que sentido? Como é que o McDonald's oprime o cidadão? É clara a inversão no discurso "socialista libertário". Somente o governo pode ser totalitário, porque é ele quem tem o monopólio do uso da força pra tentar obrigar os outros a obedecerem as regras do mundo da fantasia de intelectuais confusos como o Noam Chomsky. (http://resistir.info/eua/entrevista_chomsky.html)

Wednesday, January 05, 2011

"Capitalismo: o que é isso?", segundo o Emir Sader

"As duas referências mais importantes para a compreensão do mundo contemporâneo são o capitalismo e o imperialismo." Sei que o Emir Sader é meio lugar-comum pra tentar entender o que rola no mundo brasileiro das idéias, MAS, mesmo que o PT tente ser "pragmático" ao avançar a sua agenda, o que o Sader - um quadro do partido - escreve a seguir é uma descrição aceitável da teoria marxista, socialista e petista do que é o capitalismo. A coisa pode não parecer, mas é séria. "A natureza das sociedades contemporâneas é capitalista. Estão assentadas na separação entre o capital e a força de trabalho, com aquela explorando a esta, para a acumulação de capital." Por que o capital é antagonista ao trabalho? O capital é o resultado - se tudo der certo - do trabalho, o capital não surgiu do éter pra "explorar" os trabalhadores. E por que os "capitalistas" não seriam também trabalhadores? Um dono de uma franquia do Mister Pizza que fica o dia inteiro na loja não trabalha? Sem a demoníaca "acumulação de capital", não haveria desenvolvimento de novas tecnologias, construção de casas, produção de alimentos, fábricas, computadores, you name it. "Isto é, os trabalhadores dispõem apenas de sua capacidade de trabalho, produzir riqueza, sem os meios para poder materializa-la. Tem assim que se submeter a vender sua força de trabalho aos que possuem esses meios – os capitalistas -, que podem viver explorando o trabalho alheio e enriquecendo-se com essa exploração." Tentando ignorar os erros já clássicos de português do Sader, imagine que Fulano chegou ao Rio há pouco do Piauí e foi chamado pelo seu primo pizzaiolo pra ser entregador numa franquia do Mister Pizza. Ele tá duro e precisa pagar as contas, além de enviar algum pra família lá no interior do sertão. Fulano precisa de um emprego e o "capitalista" precisa de um entregador, mas esse acordo não serve pro Sader, o dono da franquia vai "explorar" o Fulano e alguém (governo) tem que tomar uma providência (usar a força pra impedir o acordo). "Para que fosse possível, o capitalismo precisou que os meios de produção –na sua origem, basicamente a terra – e a força de trabalho, pudessem sem compradas e vendidas. Daí a luta inicial pela transformação da terra em mercadoria, livrando-a do tipo de propriedade feudal." Ainda bem que a propriedade privada acabou com o feudalismo, não? Socialistas não gostam mesmo da fluidez do mercado, preferem as coisas bem estáticas, mais fáceis de controlar. "E o fim da escravidão, para que a força de trabalho pudesse ser comprada." Contabilizando aqui: o capitalismo acabou então com o feudalismo e com a escravidão. Continue, por favor. "Foram essas condições iniciais – junto com a exploração das colônias – que constituíram o chamado processo de acumulação originaria do capitalismo, que gerou as condições que tornaram possível sua existência e sua multiplicação a partir do processo de acumulação de capital." Será que o Emir preferia que o Brasil não tivesse sido descoberto e "explorado" pelos portugueses? Era melhor ter deixado os índios sossegados por aqui e nunca ter conhecido os 7 mares? Se houvesse tecnologia pra tanto e o Sader fosse vivo na época, ele poderia clamar pela construção do muro do Oceano Atlântico pra não se correr o risco de ninguém "explorar" ninguém. "O capitalismo busca a produção e a comercialização de riquezas orientada pelo lucro e não pela necessidade das pessoas. Isto é, o capitalista dirige seus investimentos não conforme o que as pessoas precisam, o que falta na sociedade, mas pela busca do que dá mais lucro." As pessoas precisam comer e os "capitalistas" fornecem comida. As pessoas precisam morar e os "capitalistas" constroem casas e edifícios. Só que no mundo de fantasia do Emir Sader, o primeiro é um latifundiário explorador de mão de obra escrava e o segundo um especulador imobiliário, pessoas más, muito más. É óbvio que a produção é orientada pro lucro, com prejuízos seguidos não há produção. "O capitalista remunera o trabalhador pelo que ele precisa para sobreviver – o mínimo indispensável à sobrevivência -, mas retira da sua força de trabalho o que ele consegue, isto é, conforme sua produtividade, que não está relacionada com o salário pago, que atende àquele critério da reprodução simples da força de trabalho, para que o trabalhador continue em condições de produzir riqueza para o capitalista." Essa é boa, o "capitalista" é tão malvado que paga ao trabalhador apenas e tão somente o "mínimo indispensável pra que ele sobreviva" e possa então ser "explorado" ad infinitum. Mas como se calcula esse "mínimo indispensável"? Um Bolsa-Família? 540 reais? 1.000 reais? E as pessoas que, como o Emir, ganham mais do que isso, também recebem apenas o "mínimo indispensável"? Ou isso varia de pessoa pra pessoa? "Vai se acumulando assim um montante de riquezas não remuneradas pelo capitalista ao trabalhador – que Marx chama de mais valia ou mais valor – e que vai permitindo ao capitalista acumular riquezas – sob a forma de dinheiro ou de terras ou de fábricas ou sob outra forma que lhe permite acumular cada vez mais capital -, enquanto o trabalhador – que produz todas as riquezas que existem – apenas sobrevive." O Fulano que entrega as pizzas e o seu primo que prepara as pizzas não produzem "todas as riquezas que existem" na franquia do Mister Pizza. O dono teve antes que trabalhar e economizar (acumular capital) pra abrir a franquia e organizar os fatores de produção, a loja não surgiu do nada. Se o Fulano e o seu primo trabalharem e economizarem, podem depois abrir a sua própria franquia e "explorar" um outro primo que tá querendo vir pra cá. Tá ruim lá no sertão do Piauí, não tem "acumulação de capital" suficiente. "O capitalista acumula riqueza pelo que o trabalhador produz e não é remunerado. Ela vem por tanto do gasto no pagamento de salários, que traz embutida a mais valia." O salário é um preço como outro qualquer, resultado do encontro entre oferta e demanda. Eu sei que esse fato é um choque pro mundo de fantasia marxista, mas paciência. "Mas o capitalista, para produzir riquezas, tem que investir também em outros itens, como fábricas, máquinas, tecnologia entre outros. Este gasto tende a aumentar cada vez mais proporcionalmente ao que ele gasta em salários, pelo peso que as máquinas e tecnologias vão adquirindo cada vez mais, até para poder produzir em escala cada vez mais ampla e diminuir relativamente o custo de cada produto." Sim, aumento de produtividade e diminuição de custos, é assim que se cria riqueza. O problema é que os socialistas não estão preocupados em criar riqueza; Cuba, por exemplo, produz atualmente menos açúcar do que produzia antes de 1959. E olha que lá tem até um Ministério do Açúcar. "Assim, o capitalista ganha na massa de produtos, porque em cada mercadoria produzida há sempre proporcionalmente menos peso da força de trabalho e, por tanto, da mais valia - que é o que lhe permite acumular capital." Esse papo de "mais-valia" é só mais um dos artigos de fé do marxismo, uma espécie de religião secular. "Por isso o capitalista está sempre buscando ampliar sua produção, para ganhar na competição, pela escala de produção e porque ganha na massa de mercadorias produzidas. Dai vem o caráter sempre expansivo do capitalismo, seu dinamismo, mobilizado pela busca incessante de lucros." Verdade, foi assim que as pessoas passaram a viver mais e melhor desde a Revolução Industrial. O que teria de errado, aliás, no "dinamismo, mobilizado pela busca incessante de lucros"? Ou o Emir Sader vive atrás da estagnação, mobilizado pela busca incessante de prejuízos? Essa é uma postura suicida, companheiro Emir. "Mas essa tendência expansiva do capitalismo não é linear, porque o que é produzido precisa ser consumido para que o capitalista receba mais dinheiro e possa reinvestir uma parte, consumir outra, e dar sequencia ao processo de acumulação de capital. Porém, como remunera os trabalhadores pelo mínimo indispensável à sobrevivência, a produção tende a expandir-se mais do que a capacidade de consumo da sociedade – concentrada nas camadas mais ricas, insuficiente para dar conta do ritmo de expansão da produção." Errado, muito errado. O capitalismo se expande justamente ao atender o consumo das massas. Uma televisão era originalmente acessível apenas aos mais ricos e hoje tem o seu uso praticamente universalizado. O Fulano e o seu primo pizzaiolo não consomem música clássica ou atonal, consomem axé e forró, estilos que os "capitalistas" competem entre si pra oferecer às massas que socialistas como o Emir Sader dizem defender. "Por isso o capitalismo tem nas crises – de superprodução ou de subconsumo, como se queira chamá-las – um mecanismo essencial. O desequilíbrio entre a oferta e a procura é a expressão, na superfície, das contradições profundas do capitalismo, da sua incapacidade de gerar demanda correspondente à expansão da oferta." Não existe algo como "incapacidade de gerar demanda", a demanda é infinita. Querer mansões, Ferraris e iates não é difícil, difícil é produzir o equivalente a mansões, Ferraris e iates. As vontades (demandas) são infinitas, os recursos (ofertas) são escassos. "As crises revelam a essência da irracionalidade do capitalismo: porque há excesso de produção ou falta de consumo, se destroem mercadorias e empregos, se fecham empresas, agudizando os problemas." O que agudiza os problemas é a má compreensão dos problemas, como achar que as crises são causadas por "excesso de produção" ou "falta de consumo". "Até que o mercado “se depura”, derrotando os que competiam em piores condições – tanto empresas, como trabalhadores – e se retoma o ciclo expansivo, mesmo se de um patamar mais baixo, até que se reproduzam as contradições e se chegue a uma nova crise." A teoria austríaca dos ciclos econômicos poderia resgatar o Emir dessa ignorância orgulhosa sobre os fenômenos de boom e bust, mas duvido que ele aceite ou mesmo leia a minha sugestão. "Esses mecanismos ajudam a entender o outro fenômeno central de referência no mundo contemporâneo – o imperialismo – que abordaremos em um próximo texto." Mal posso esperar. Como se viu, a teoria marxiana e saderiana sobre o que é o capitalismo não dá uma dentro, sendo refutada com relativa facilidade pelo raciocínio lógico. O lance é que o marxismo não é somente uma teoria econômica falsa, é um processo de conquista de poder. Perceba que a "luta de classes" começou colocando apenas "proletários" contra "burgueses", mas o potencial de conflito a ser explorado (sem aspas) era enorme. Hoje em dia, os marxistas e as suas variações escrevem teses e mais teses colocando "negros" contra "brancos", "índios" contra "brancos", "mulheres" contra "homens", "homossexuais" contra "heterossexuais", "nortistas" contra "sulistas" e assim por diante, dividir pra conquistar. Ou seja, os socialistas primeiro estimulam os conflitos e depois se anunciam como os solucionadores desses conflitos, contanto que sejam investidos de poder, muito poder. (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=645)

50 anos em 5

Ler a gigantesca autobiografia do Roberto Campos, "A lanterna de popa", dá uma boa idéia dos bastidores do poder na perspectiva de quem serviu diversos governos desde Getúlio Vargas. Porque uma coisa é ver as decisões governamentais sendo implementadas; outra, bem diferente, é entender como elas foram tomadas. Por exemplo, Juscelino Kubitschek, antes de tomar posse, fez uma viagem pela Europa, visitando alguns governantes da época. Chegando em Portugal, perguntou ao primeiro-ministro Salazar - segundo Campos, "talvez o único ditador incorruptível da história" - qual era o segredo da estabilidade de preços e firmeza da moeda portuguesa: "O segredo é um governo forte com austeridade fiscal e corte drástico dos gastos públicos". Juscelino então perguntou quanto tempo seria necessário pra atingir essa meta e Salazar respondeu: "Talvez 5 anos pra colher os frutos." Sabendo o que aconteceu no governo JK, ganha uma mariola quem adivinhar a sua reação: "O velho (Salazar) quer me proibir de gastar, a única coisa que sei fazer bem. E depois, aguentar 5 anos... Será que esse velho espera que eu arreie o cavalo pro meu sucessor montar?" Moral da história: esqueça esse papo de que os governos pensam no longo prazo enquanto os empresários focam no curto prazo, é justamente o contrário. O "longo prazo" de um governante é a próxima eleição, algo que não se aplicava, obviamente, à ditadura Salazar. JK tomou posse, disse que ia fazer 50 anos em 5 e tudo o que conseguiu foi transferir a capital federal pro meio do nada ao custo de um aumento extraordinário das dívidas interna e externa, um passivo não resolvido até hoje.